das coisas que eu mais gostava em mim
eu me fui perdendo, não sei se aos poucos
como certa tonalidade nos cabelos que
o imperioso curso do tempo vai moldando
não sei se de súbito, tal qual o cheiro das
manhãs quando se acorda o alumbramento
eu me fui perdendo, e estas coisas minhas
um certo sorriso de ingenuidade, o olhar
de encanto para o florir das coisas e das
pessoas, a cumplicidade dos abraços
das coisas que eu mais gostava em mim
o mar do meu sertão encheu de maresia
a caatinga assolou espinhos em toda pele
e eu fiquei neste raso engasgo de córrego
na solidão sem esperança dos jequitibás
eu me fui perdendo, e estas coisas minhas
como as retinas embebidas de alvoradas
como os girassóis aturdidos no arrebol
os cálidos entremeios de brisa e moinho
e todos os pálidos, os lilases e as nuvens
das coisas que eu mais gostava em mim
eu me fui perdendo, não sei a quantidade
não sei qual ponte se cumpriu em extravio
sei que os rostos se cansaram nas retinas
que o cardo dos lábios rugiu ambiguidade
e os atônitos gestos soçobraram exíguos
como a aleivosia que se impregnou no ar
eu me fui perdendo, e estas coisas minhas
deram a convergir espelhos e reentrâncias
precipícios e vazios, e petrificar o silêncio
24 comentários:
Há barcos sem ancoras aos quais nunca falta o mar
Como” fundear” tão belo canto?
Obrigada pelo maravilhoso presente de hoje.
Um beijo
Sempre encontro aqui um surpreendente poema. Este, em especial com voz e imagem que eu posso negar a perda que o poeta afirma, pois o tempo quando tira algo, acrescenta outra de maior importância: a experiência.
Que pena, amanhã é o último, e amanhã, não sei se ouvirei o canto.
Deixe rastros, poeta.
Beijos
Mirze
O tempo, esse tempo que nos modifica, nos faz perdidos entre ondas de um mar de sentimentos e sentidos....nos envolve e nos devolve outro olhar.
Lindissimo poema!!!!Bravissimo!!
Perdemo-nos enquanto estendemos os olhos e os braços na tentativa de encontrar, perceber...
Em grande, poeta!
Abraço
E vamos nos despindo vida afora.
Vamos largando coisas, descamando a pele...
e cometendo poesia você chegou ao poema de número 1000.
abraço,
Lindo!
Muitas dessas coisas você nos deu em seus poemas. Espero poder continuar te lendo em algum lugar...
Bjo
E a vida é assim,,,muitas coisas boas de nossa essência vão ficando pelos caminhos da vida....abraços de bom dia pra ti.
Assis, essas barcas sem âncoras aportaram em mim. Maravilhoso!
Vale o número 1000. Beijo
Depois do amanhã
o que virá,
o que será?
1002 poemas?
Fiquei emocionada e bateu uma saudade!!
beijinho, mestre Assis!
perfeição sempre...
o que vai ser à partir de amanhã?..
beijos meu querido poeta..
É verdade!
A gente vai perdendo peles, ao longo do caminho, esse é o destino inevitável do homem. Deixamos pelo chão, não sei contar os números, tanta beleza e horror, tantos risos e lágrimas, tantas nuvens e tijolos, mas, uma coisa é certa, sempre fica algo, nem que seja o silêncio.
Aqui, todas as vezes, me comovi com tamanha sensibilidade que encontrei em cada esquina, em cada mar, em cada lilás, em cada urgência e só levo uma tristeza... a de não ter descoberto antes a imensidão do poeta.
Sigo-te, além dos 1001, talvez a sombra de uma árvore frutífera ou o que mais vier.
bj imenso, poeta maior
Assis,
ao longo da existência vamos nos perdendo e mantendo a ilusão de que um dia nos encontraremos, mas é mais o que se perde do que aquilo que se ganha...
este dava um texto excelente para ser o ultimo, o 1001
beijo
E parece que com as coisas que ele foi perdendo, fomos nos achando...
eu fui :)
Vou aguardar o derradeiro dia e depois passo a colher os frutos da sua árvore, mas com saudades, Assis, dessas mil e uma noites de poesia.
Beijoss
Na infância, vamos catando cada miudeza do caminho; na fase adulta, vamos nos desfazendo, vão ficando tantos vestígios nossos por aí.
Adorei o vídeo também!
Beijo.
o que mais gostava em ti
partiu
em poesia
por isso
bela poesia
(poetas canibalizam suas ausências)
forte abraço Assis
No penúltimo faltam-me palavras...
:(
Bjo
Dessa vez vc se superou, Assis, e o poema é de uma beleza que chega a doer um pouco, se a gente se identifica com ele (quem não se vai perdendo das coisas que mais gostava em si?)
Um beijo e parabéns pela beleza declamada.
Assis, lembrei-me deste poema, tudo para lhe dizer que perder-se é encontrar-se, que está no caminho da unidade (poetas assim não morrem nunca!)e dirá, por fim:
Não se perdeu nenhuma coisa em mim
Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Se sentia um aperto no coração aos 999 poemas, digo agora que o ataque cardíaco está por questão de horas!
Beijo !
guardou um poemão pra véspera.
gostei demais, zé de assis.
Barcas ancoradas em quantos portos ao longo e que ao primeiro sopro içam as velas rumo às alvoradas, aos arrebóis, aos desassossegos, aos delírios...
quebrou tudo aos olhos e ouvidos
1000 porreta!
bejinho, Assis
Quer me fazer chorar a esta hora da manhã? Só pode...
Parabéns, mestre!
a bater cada vez mais forte esta aproximação à amurada final...
abraço!
Que lindo!
bjs meus
CAtita
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