quinta-feira, 5 de julho de 2012

1001 - Balada de tardio encanto


Vivo a permuta dos sonhos:
Sou de junco, barro, poeira.
Entrelaço coisas e destinos
Insinuo rota, sinal, aforismo

Improviso sismos e abismos
Sou inoportuno ao despertar
Espirro reticências e pausas
Camuflo casulos e aplausos

Tenho gosto para relevância
De carpir o leito das palavras
Dar sobrevida a um fino gesto
De montar susto no improviso

Aplaco distancias com o olhar
Alterno preces, coitos, abraços
Revelo as dores na minha pele
Irmano migalhas aos pedaços

Transito entre o que me chega
Ao que desafia sina e sortilégio
Mas nada posso contra o verbo
Vago vazio sem nenhum rastro






A saga (2001 uma odisseia no cyberespaço) continua aqui, nesta sombra

quarta-feira, 4 de julho de 2012

1000 - suíte para barcas ancoradas em desalinho


das coisas que eu mais gostava em mim
eu me fui perdendo, não sei se aos poucos
como certa tonalidade nos cabelos que
o imperioso curso do tempo vai moldando
não sei se de súbito, tal qual o cheiro das
manhãs quando se acorda o alumbramento
eu me fui perdendo, e estas coisas minhas
um certo sorriso de ingenuidade, o olhar
de encanto para o florir das coisas e das
pessoas, a cumplicidade dos abraços

das coisas que eu mais gostava em mim
o mar do meu sertão encheu de maresia
a caatinga assolou espinhos em toda pele
e eu fiquei neste raso engasgo de córrego
na solidão sem esperança dos jequitibás
eu me fui perdendo, e estas coisas minhas
como as retinas embebidas de alvoradas
como os girassóis aturdidos no arrebol
os cálidos entremeios de brisa e moinho
e todos os pálidos, os lilases e as nuvens

das coisas que eu mais gostava em mim
eu me fui perdendo, não sei a quantidade
não sei qual ponte se cumpriu em extravio
sei que os rostos se cansaram nas retinas
que o cardo dos lábios rugiu ambiguidade
e os atônitos gestos soçobraram exíguos
como a aleivosia que se impregnou no ar
eu me fui perdendo, e estas coisas minhas
deram a convergir espelhos e reentrâncias
precipícios e vazios, e petrificar o silêncio 






terça-feira, 3 de julho de 2012

999 - prosa de rainha para urgências do querer


Conta a história que Domenico Scarlatti
escreveu 555 sonatas para sua amada
Maria Bárbara de Bragança, infanta que
ele cultuou e depois rainha de Espanha,
a quem tão servil, serviu-se.
Conta a outra lenda que da música não
sou Orpheu, mas cativo de sina e sílaba.
Assim evoco amada que o verbo galgou
alma e arrepio, dentre os mistérios sutis
de penumbra, alumbramento e sortilégio
que não se demora mais que uns versos
no ofício de ornar-te em poesia.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

998 - Prosa de aroma para os últimos vestígios da nuvem


Quando cheguei ainda havia o vermelho, o resto de sombra que dos teus olhos se despregara, havia aquele torpor que incendiara os dias, havia a imersão na pele, o visgo que se fizera em cada gesto, em cada ato de silêncio desavisado.
Era assim, havia o rio a fluir em sua correnteza insondável, assinalando os portos, assinalando as margens.
Quando cheguei ainda havia o corpo transitando enigmas, a rota de descobertas que se inaugurara na saliva da língua, a sede que brotara nos desvãos de uma geografia.
Quando cheguei ainda havia o instigante céu, aquele em que se condensara uma única nuvem, o bulício de mãos, a imagem que se formara sob o fervor da crisálida.
Quando cheguei já éramos pássaros plenos de voo.

domingo, 1 de julho de 2012

997 - Ensaio para quando Heráclito contemplou o rio


Porque é larga a ilha que eu tenho de atravessar
e sobre os ombros correm as águas de um século
e cada ato é povoado desta memória a me afogar