sábado, 31 de dezembro de 2011

814 - concerto para o alfabeto de um ano próximo

faz pouco minha palavra
não dá conta das cercanias
não abraça nenhuma saudade
não transmuda água em vinho
não me diz que eu estou só

faz pouco minha palavra
e quase não interroga mais
a noite que desce sem pudor
breve vai levar minha alma
que acaricia o por do sol

faz pouco minha palavra
não atenua o gesto que faltou
não conduz o tempo que se gastou
breve vai levar o peito, meus olhos
nessa vereda que eu sempre cantei só

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

813 - canção de girassol enfeitiçado de luar

nem o acaso há de soprar-me de infinito
finda-se na palavra o sibilo da existência
nem muros brancos são refúgio do olhar
nem asas são pressupostos de elevação
todavia infla de ilusão o voo do vocábulo

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

812 - contraponto para inexistência, achados e afins VI

em sigilo faço vigília ao silencio
ele se atiça em meus ouvidos
e eu sou todo o assovio da brisa

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

811 - contraponto para inexistência, achados e afins V

faço festa com o alimento que me dás
és repasto alvoroçado no amanhecer
por ti cultivo guirlandas, astros, lábios
as minhas naus se inclinam em vagas
todo o horizonte clama por teus lilases

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

810 - canção de acalanto para floração incandescente

voe brasa e umedeça os meus lábios
pois me queima a sílaba da urgência

o afago desses crepúsculos sem sol
me põe em extravios a alma cansada

voe brasa e faça refrigério no silencio
que nunca mais te espero nas retinas

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

809 - variação com intermezzo para rubra urgência

ela se foi com a chuva que teima em não cessar
inundando este rio sem fronteiras
assim ela se foi:
como a correnteza sem horizontes
como este precipício incontinente
como a mágoa análoga de uma trovoada

domingo, 25 de dezembro de 2011

808 - variação com intermezzo para cortes dúbios

sinto-me lâmina na palavra punhal
dou-me lavra de fio no esmerilhar
e com esmero incito corte e risco
no gume que desliza sobre a folha

sinto-me lamina na palavra punhal
ao fazer geografia nos interstícios
que soletram substantivos de aço
na morada espessa de uma adaga

sábado, 24 de dezembro de 2011

807 - fantasia para oboé e girassóis em ascensão

tenho ainda os vestígios da crisálida
nesse emaranhado de chão
em que meus passos se debatem

são alados os rastros que desfiz
para que nas nuvens ligeiras
pudessem pousar os teus silêncios

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

806 - fantasia em cascata para a soberana dos sonhos

nestes teus pés habita a melancolia
que evoca a si mesma e não é triste
levita na embriaguez enlanguescida

eu que daqui te tenho contemplação
escrevo em bemol as tontas carícias
cuja leveza adorna o rito que excita

o ar que se respira é ouro, harmonia
como se fossemos eterna amálgama
na claridade reveladora das delícias

*inspirado em La chambre double
Charles Baudelaire (1821-1867)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

805 - metaplágio solícito para os quartetos de Elliot

na palavra está a sagração do tempo
crisálida transfigurada dum instante
sopro silente da infinda tempestade
que corrói os desvãos da linguagem

na palavra está a sagração do tempo
termo simultâneo, epílogo do agora
abismo que se concentra a implosão
corolário de repouso para o silencio

na palavra está a sagração do tempo
incrustando a dança dos significados
bússola para o oásis de todo deserto
como o pasto do súbito e do inefável


*inspirado em Four Quartets
Thomas Stearns Eliot (1888-1965)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

804 - madrigal de enlevo à senhora dos alísios

Eu já teria o corpo em cópula languescido
Sob a contemplação de vozes da natureza
“a poesia da terra jamais cessa”
E mesmo os pássaros enternecidos
Fizessem ruflar do peito sons em extravio
O agora seria o sempiterno de uma brisa
Que oscila quimeras em minha fronte
Eu já teria o corpo em cópula languescido

*inspirado em “On the grasshopper and cricket”
John Keats (1795–1821)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

803 - fuga em quatro vozes para clarinetes em desassossego

ouço da floresta o brilho do teu eco
“No bird soars too high,
if she soars with her own wings”
pois das asas não espero voo
são setas de agudos que se elevam
e o céu repercute em nuvem travessa

dos pés brotam o ímpeto dos sentidos
que alma absorve em barro tosco
na ramagem que desenha a estrada

até o galo precisa de outros cantos
para fazer o cortejo da alvorada
assim como o pássaro carrega
no peito a terna sede de assovios

pois da teia se consome a aranha,
a cobra em silente caminho
e o homem se consome de extravios


*inspirado em The Proverbs of Hell
William Blake (1757-1827)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

802 - fantasia tosca para clarins e acordes em oitavas

“Onde me deito há uma árvore”
E eu estou todo sonhos sob ela
Nada cresce sem a sílaba do sono

Não há estações de resguardo
Para a alma que paira alada
Sem as amarras de um clarão

O dia impõe suas tormentas
Imerso em tonto cansaço
O corpo se desvela na amplidão

Nada cresce sem a sílaba do sono
Mesmo quando me cai em fruto
A semente acalentada de um sonho


*inspirado em Der Tod
Heinrich Heine (1797-1856)

domingo, 18 de dezembro de 2011

801 - pequeno interlúdio para velas, impulso e sagração

Aguardo o chilreio da cotovia
“Hail to thee, blithe spirit!”
Como amantes que anseiam o rouxinol
Há cantos para o dia e lisonjas noturnas
“Bird thou never wert!”

Morrem os versos a cada estrofe
Como laminas silentes, diligentes
No ofício de exasperar desafios

Aguardo o chilreio da cotovia
Eu que nunca ansiei do pássaro o voo
Apenas o ímpeto de elevação das sílabas
“Hail to thee, blithe spirit!”

Toma-me de braços para o infinito
Todo o orbe conjuga árias e coplas
Serão teus os passos rasgando céus
“Bird thou never wert!”

Aguardo o chilreio da cotovia
Sopro de arrebatamento e impulso
Há um mar que não cessa nos olhos
Repara que os horizontes balouçam
Vaza-me de sal, nuvens e nuas naus

* inspirado em To a Skylark
Percy Bysshe Shelley (1792–1822)

sábado, 17 de dezembro de 2011

800 - contraponto para inexistência, achados e afins IV

o nosso caos, amor, é puro incenso
que propaga fumaça e cinzas

repercute nos espelhos embaçados
a vigília de tantos silêncios

os olhos ardem água e mágoa
e os medos florescem no jardim

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

799 - contraponto para inexistência, achados e afins III

há uma hora que não é o agora
em que tua ausência faz espasmos
as retinas recobrem-se de espanto

há um espaço de desatino na pele
de sacrifício de gestos
de imolar janelas que varam o sol

há uma hora que não é o agora
em que os passos explodem átomos
e tudo vira distancia para um sem fim

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

798 - contraponto para inexistência, achados e afins II

tomei o mar de braços para o nunca mais
nesta jornada de naus a soçobrar
as inquisições da tempestade já se vão
agora é o infindo de um vento que me eleva

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

797 - contraponto para inexistência, achados e afins

tomei de incumbência a lavra de algumas palavras
de dar-lhes lustro como a uma lamina de punhal
neste ofício de limar as arestas do imponderável

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

796 - antipoema para ardor na seara da caatinga

a coisa que mais campeia no sertão
é o levante das folhas em ebulição
queimam retinas no refrigério da água
aqui se contam os pássaros que imolam
quando plainam em voo solitário pelo céu
mesmo os peixes nadam de soslaio
temendo feixes de luz que os atravessam
nada é mais solitário que o sol do meio-dia

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

795 - poema das graças para as palavras que se elevam

ao brusco,
há o tosco,
ao imperfeito,
há o súbito,
ao espanto,
há o repentino,
ao inominado
há o silente,
ao gauche,
há o desmesurado,
ao incontido,
há o inacabado...

domingo, 11 de dezembro de 2011

794 - canção para gioconda assentada no arrebol

nem toda a minha sinceridade
seria capaz de arrancar
de ti este ar de interrogação

que destilas feito monalisa
pousada na aba deste pôr-do-sol

sábado, 10 de dezembro de 2011

793 - canto de persistência para o último fio de ariadne

trago-te, senhora, os olhos em tempestade
no semblante que o tempo come arduamente
meus vestígios são os girassóis no entardecer

por ti roguei cirandas em noites de sofreguidão
varei silêncio como um punhal me atravessando
meus caminhos são bússolas em desassossego

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

792 - quando a luz se desloca na velocidade da ausência

eu me havia mudo para ti
enroscado no silencio do olhar
tu me ias de folguedo e alegria
e os passos eram só distancias
um ruminar cheio de ausência

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

791 - ciranda de alvoroço em prece enluarada

há um silencio que se dobra sobre a tua pele
incita mares, presságios, ventanias
recorda ancestrais paragens

há um silencio que se desdobra em desalinho
faz miragem no deserto de todos os oásis
e inflama os horizontes de letargia

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

790 - ciranda para argonauta em feitiço de sereia

como num carinho que nunca houvesse
contorna-me a fronte esta nau arrebatada
içam-me as velas deste livro o frontispício

das horas que velejo a ti assomam lentas
dos horizontes que não te cabem o mirar
soçobro nos degraus de tamanha mesura

como num vasto oceano para galgar delírio
açoitam-me as encostas em tonto vaticínio
dá-me a senha para ungir o santo sacrifício

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

789 - imersão em rapto de som (gavotta con due variazioni)

lampejam arpejos lamparinas
no brilho que beija a bailarina
estranho, estrado, stravinski

sherzino, tarantella, andantino
misturam-se maestrias divinas
o tempo, o passo, a concertina

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

788 - ciranda para longínqua marcha de heliantos

para os longínquos caminhos não tenho asas
mas os pés incitam o corpo para a levitação
compartilho o sentido de elevação das aves
faço do canto o pastoreio das nuvens

e quando me cansam esses ares de poeira
deposito as incoerências nos galhos altos
assim me livro dos escombros do dia-a-dia
faço dos campanários meus precipícios

para os longínquos caminhos não tenho asas
mas os pés incitam os olhos a contemplação
compartilho o naufrágio distraído da manhã
faço dos heliantos a rota cega do entardecer

domingo, 4 de dezembro de 2011

787 - crônica para um menestrel de coração numeroso

p/ roberto lima

aqui na minha terra a gente intui as conversas
com preâmbulos de meteorologia
olhando para as nuvens postas no horizonte
como se as águas benfazejas fossem o princípio
de todos os alumbramentos do sertão
e se das palavras saltam incensos de elevação
olhos carismáticos preparam a artimanha do voo
é desse adubo de camaradagem
que a prosa se acomoda em afeto e abraço
alternando longos dias com noites intermináveis
pois assim de espanto em espanto
corre o sangue dos fraternos caminhos

sábado, 3 de dezembro de 2011

786 - ciranda para outra dose de amores cáusticos

de ti exoro a ânsia de pasto
na saliência da geografia
que se insinua em tua pele

enquanto brincas distraída
com as cores do arrebol
atiçando augúrio na saliva

meus passos são escombro
caminho raso de saciedade
infortúnio que não tem epíteto

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

785 - ciranda para um girassol em dezembro

dezembro não tem cor
é ensandecido de verão
o sol obnubila os olhares
há um turbilhão de luz
comendo a paisagem

mesmo quando as águas
se encontram em choque
o mar se desfaz em vagas
o olho remói um pretérito
sereias cantam alvíssaras

dezembro não tem cor
como o corpo em letargia
aguarda afago da ventania
dezembro não tem cor
mas me ocorre um arco-íris

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

784 - a poesia é o silencio engravidando sílabas V

guardo de ti uma ausência sem alvoroço
uns rabiscos no caderno de anotações
páginas marcadas de pessoa e bandeira
altercações de lilases, supercílios, lábios
o teu ventre que germina alumbramentos
e esta atônita ciranda que pulsa sem fim

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

783 - ciranda de extravio para jornada dissoluta

há dias que caminho com as vestes
de uns recentes alumbramentos
entre os alvoroços de descobertas
que me participam o contágio de terra
desse viço que assola os olhares
outras vezes me sinto apenas indo
com os passos cálidos das manhãs
tão fugazes como os teus calcanhares

terça-feira, 29 de novembro de 2011

782 - ciranda de desconhecimento para senhora dos lilases

eu nada sei sobre o princípio das coisas
perscruto arcturus, aldebarã
espero um novo big bang para florir
por enquanto contemplo o caos
quero um estojo de madrepérolas
uma coleção de heliantos tardios
quem sabe o infinito esteja em teus lábios

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

781 - ciranda de sertão em véspera de trovoada

o mandacaru guarda em suas veias
o líquido lírico da sobrevivência,
mata a sede de rio no sertão,

mesmo refratário ao toque
incita a pele de arrepios,

dos seus espinhos reluzentes
é que assoma o néctar vermelho
que põe visgo e sangue nos dentes

domingo, 27 de novembro de 2011

780 - ciranda de alvoroço para antigos heliantos

na época da minha infância
não havia monstros no jardim
hoje eles crescem desolados
sem nenhuma assombração
são duendes sorrateiros
que se transmutam violáceos

você chegou a notar a presença
daqueles seres solitários
mas não te interessou imolá-los
bastava a mim, já entrecortado
por teus véus de suma ausência

na época da minha infância
não havia monstros no jardim
hoje eles crescem desolados
as sebes enfeitadas escondem
o martírio de pés amassados
o afinco de mãos se exaurindo
o inútil tumulto dos heliantos

sábado, 26 de novembro de 2011

779 - a poesia é o silencio engravidando sílabas IV

o teu silencio me come as horas
interdita os sentidos
faz correnteza nos meus olhos

o teu silencio me faz rio distraído
atordoado de ribanceiras
debatendo-se em tonta penedia

o teu silencio me põe em ventania
corrói os metais das artérias
desdenha do que não ouso dizer

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

778 - Poema para cotovia na sebe distraída

a asa faz reminiscência de voo
no instante que o pássaro
saliva os bemóis do alvorecer

assim emplumado de espanto
destila o assovio pela campina
e atiça alvoroço na madressilva

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

777 - epístola aos que navegam em sal e silencio

ainda era eu que precipitava passos
nas ribanceiras de tantos caminhos
o olhar ruminava de ti uma ausência
vergava distraída a asa do pássaro
não o canto que sibilava sustenidos

no alforje descansavam as auroras
havia mãos que queriam o alvorecer
impune o sol punha brasas no hálito
tudo tão inexplicável como o silencio
que se espraiava no sal da maresia

cumpria-se a tua rota sem bússolas
neste espaço de inquisição e enigma
em que soletro a urgência de lábios
enquanto cavalgo o rocio assustado
e perscruto moinhos para um duelo

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

776 - a poesia é o silencio engravidando sílabas III

a minha família é o vento que urge
e cria identidades na pedra
nem mesmo o mar tão imenso
fica imune aos teus vendavais
a minha família é o vento que urge
e açoita sílabas nas minhas retinas

terça-feira, 22 de novembro de 2011

775 - a poesia é o silencio engravidando sílabas II

a metáfora da distancia no sertão
é carregada de léguas
são os bravios dos descaminhos
que impõem formosura
quando desapercebem os rios
de suas veredas e sibilam
como os répteis assustados
na maresia da pedra quente

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

774 - a poesia é o silencio engravidando sílabas

não houve palavra que desse conta
do alvoroço em tua fronte
no entanto eu bebia tuas retinas
era o fino fio em teus supercílios
ainda guardo no espelho a memória
dos cavalos alados que riscam o céu

domingo, 20 de novembro de 2011

773 - Poema para cadência silábica em escala atonal

A flor há de haurir o canto
A cada sílaba
Por nuvem na saliva

A flor há de haurir o canto
A cada cesura
No subterrâneo do verso

A flor há de haurir o canto
A cada hemistíquio
No artesanato do verbo

sábado, 19 de novembro de 2011

772 - Canto para exarar reminiscências do infinito

Açoita-me a memória os lugares que nunca estive
A foz do rio Estige, as cerdas da Esfinge, a efígie

Corrói-me horda, cordas em acordes subterrâneos
Desconcerto de horta, abrolhos, deleitar ambrosia

Sopro de pátina sobre o céu acinzelado de nuvem
Perpétuo decoro que evoca silente silvo da sílaba

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

771 - Outra canção de fervor para a natureza dos temporais

Venho de sal em sal na maré dos dias
Sou dessa substancia que se erige na ventania
Silfo noviço na artimanha de modelar nuvens

Venho de sal em sal na maré dos dias
Ao acaso de velas me ponho em desassossego
Neste mar que se cumpre em espelho e presságio

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

770 - poema de resiliência para os contornos do alvorecer

para Vais que me rogou uma ciranda


vejo-te com a simplicidade das coisas singulares
neste caminho até o arrebol
contemplo riscos que a areia dissolve

mais um dia há de vir
sem nenhuma palavra que interceda

assim se sucedem os impérios, as dinastias
sem que nossos gestos possam haurir
a sequencia de fogo da existência

diviso a rota dos girassóis ensimesmados
somos o hiato desta estranha correnteza
a brevidade é o signo da nossa morada

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

769 - fragmento tosco para uma ode marítima

quando uma sede me continha
de içar velas fui à procela
vaguei entre ausências
até o horizonte dissipar

deitei na proa de tantos astros
que os olhos perderam a órbita

quando uma sede me continha
de içar velas fui à procela
e era de risco o anelo
de ti a bússola que ousei ansiar

terça-feira, 15 de novembro de 2011

768 - esboço para duendes em retrato amórfico

deu-me de germinar ardósias
em cada folha como pétala
- o fino predicado mineral

néctar de textura cristalina
- pomo de deusa grega
seiva que no silvo se desenha

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

767 - récita breve para estrelas que gorjeiam o mar

- o sal perdura nas retinas -
sob a circunstancia das marés
- olha o clarim da alvorada -

na carne lacerada: a palavra
o mar arrepia-me de horizontes
em qualquer nuvem desavisada

tua pele se excede de fervor
é sal, mar, nuvem, horizonte
circunstancia dos temporais

domingo, 13 de novembro de 2011

766 - poema de estertor, foice e laminas iluminadas

tudo faz ausência no silencio que fito
aqui e ali regozijam-se as memórias
sou o ser que perambula na sombra
um fotograma sépia à procura de luz
um retardo no projétil engatilhado
dói-me o desatino de tantas palavras
queria antes o súbito som, a explosão
a face envidraçada de atônitos rostos
o gume afiado no olhar do transeunte
tudo faz ausência nos ossos cansados

sábado, 12 de novembro de 2011

765 - Canção de fervor para a natureza dos temporais

prezados senhores, as palavras ardem
pelos meus olhos, queimam-me as mãos
não me peçam impunidade ao verbo: deliro

prezados senhores, as palavras ardem
apreciem a procissão de girassóis
em cortejo solene pelo alvorecer

é disso que vos falo:
o dilúculo se anuncia, rogai
que me canso de antelóquios

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

764 - canção para apaziguar rubros horizontes

gentilíssima ela me levava flores
arquitetava planos para nós dois
eu de nada sabia senão do aroma
que ficava impregnado pela sala
um dia contou-me a sua história
em leveza, singeleza e altruísmo
ela se alçava de muitos ímpetos
eu só tinha vistas para o estertor
a magra cama, o pote, o silencio
pouco entendia o verbo do florir
gentilíssima ela me levava flores
eu só me repetia em verbo, verso
nada que respirasse me expandia
gentilíssima ela me doava um olho
o fogo que se punha a me aquietar

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

763 - réquiem para estrelas, via láctea e imensidão

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
as horas já se consumiram
o girassol cumpriu sua rota
o mar em vaga e preambulo
estilou a cota de imensidão
pés delinearam outra seara

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
mulheres já carpiram perdas
os campos foram semeados
houve guerra, há ou haverá
desabitados cataram refúgio
mãos clamaram por migalhas

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
toda a vastidão já se exauriu
portas se fecharam em vão
em meio ao tumulto e terror
as palavras escavaram sinas
para o desatino da existência

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
os espelhos já estarão rotos
o muito do que era definhou
enquanto começa o meu dia
a ventania derrubou nuvens
no céu do outro lado mundo

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

762 - canção para estrelas, via láctea e imensidão

não me coube o fortuito
aquilo que em olhos vagava
não, não me coube
o acento melódico e sutil
vingaram-me pedras em uso
o malbaratar das horas
não me coube o que brilha
pedra acesa queimando mãos
não, não me coube
vingaram-me palavras tortas
o solilóquio amargo do verbo

terça-feira, 8 de novembro de 2011

761 - balada de senil paragem para cabelos brancos

já não te sigo, persigno-me
a cada lembrança, ausência
para onde foste, o quereres
o hálito que fala em ti, inala
não me sabias este, d’outro
que ferrão fere, vinga o viço

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

760 - canção de bem-querer para palavras que atiçam ventania

p/ Tânia Regina Contreiras

quis a mão sábia interceder-se em ventura
nesta fugaz epifania que corrói o amanhecer
quis beber cântaro, moringa, pote, alvíssara
como se o preâmbulo em tudo se contivesse
quis ímpeto solene, invento, casulo, maresia
tão insólito devir, pêndulo que a haste move
quis miçanga de âmbar em miúdo calcanhar
para pirilampos que enfeitam alumbramento

domingo, 6 de novembro de 2011

759 - poema para lençóis numa estação de cansaço

não sei em qual distancia me aconteces
um canto torto, um varal de incoerências
tudo vira amiúde manjar para um repasto
cada palavra de silencio que em si goteja
cada trespassar na alma de sutil alvoroço
não sei em qual distancia me aconteces
todavia rumo em pretéritos para teu lado
abraço esse estar etéreo que me edificas
sei que por teus olhos há de vir primavera

sábado, 5 de novembro de 2011

758 - Dois poemas de improcedência para estados de ausência

inspirado aqui Dani Carrara

I

uma gare desabitada
num poema de pessoa

II
se me fosses somente silencio
eu não te furtaria uma canção
mas assim em alvoroço
não sei que vento me incita
fico dentre, adentro
todo orbe me desabita

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

757 - poema torto para pirilampos no jardim

sem que eu me saiba
cantam-me rouxinóis
cruzam-me de oboés

sem que eu me saiba
cotovia de mim se ria
meu reino de canário

sem que eu me saiba
nó no peito arrebatado
canto só e desavisado

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

756 - apontamentos de verão para faces à ventura

bendito seja o tempo que germina o ventre
que a pelve incandescente o sol transcende

bendito seja o frescor que irriga a intempérie
que a mão caridosa inocula em movimentos

bendito o cúmulo que se forma em auréola
que conduz para a sagração do afortunado

bendito o repasto que se oferece em cortesia
que força alguma arrefece quando se anuncia

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

755 - Canto de assovio para coito das libélulas

Para sublimar o desconforto das ribanceiras
Amiúde a natureza faz contemplação de rio
Necessário também para elevação do olhar

Outro caminho para luzir horizontes tardios
É ordenar o ponto de equilíbrio dos girassóis
Assim incitam-se as borboletas de sentinela

terça-feira, 1 de novembro de 2011

754 - Sobre o ímpeto do salto na alma das palavras II

Toma-me na inquietude dos teus lábios
Sorve a resina do tempo que se exaspera
E morde os lilases que gotejam mansidão

Houve em tua voz um passado de brisas
Em que a jornada de silencio da palavra
Anunciava o vôo semântico das auroras

Perdoa-me se ainda hoje assim te percebo
Nesse emaranhado de dores e pensamento
E transito febril para ouvir terno regresso

Perdoa-me se por ora pouso em teu regaço
Que minha mão povoa espaço de ausência
E nada se fixa em nossos olhos embaçados

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

753 - poema para germinar amuletos esotéricos

é preciso reconhecer
a hora do silencio:
como agora

* hoje só Drummond

domingo, 30 de outubro de 2011

752 - poema de escarpas sobre silente beira-mar

há em tua terra esta áspera cobiça
que a pele enseja pasto de alvíssara
o atormentado e tenro bem-me-quer
que sobressai pela saliente saliva

dos teus líquidos quando se avista
esses mistérios que denotam sina
outros muros que a voz não declina
hão de crescer visgos nesta colina

se a mão enseja mas não se efetiva
queixume de se mover em linha fina
roncam tímpanos em surdo alvoroço
cai o pano arisca onde se fixa a tinta

sábado, 29 de outubro de 2011

751 - missiva repentina para serenar alvoroços

respiro pelo canto da boca
lentamente como num assovio
quando o ar penetra em demasia
meus pulmões se desassossegam
talvez seja assim o estertor
no mais o tempo castiga a pele
e impõe a serenidade das rugas

há aqui um jardim abandonado
que eu caminho sem pretensão
um dia a terra novamente sorrirá
e as sementes provocarão a vida
te beijo na distancia da ventania
e espero que as palavras tenras
façam eco na tua geografia

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

750 - canto de insolência para autorretrato e afins

como numa foto de antiga fortuna
tu me chegas plena de anseios
ainda tens o crispar das mãos
o retardo em acender a alvorada
a chave de grave desassossego
como numa foto de antiga fortuna
tu és o silêncio sépia do alvoroço

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

749 - Sobre o ímpeto do salto na alma das palavras

Tu eras meu vício no alvéolo das madrugadas
Ali quando me perdia entre labirintos
E havia um gosto para me fixar

Saltitavas nos bemóis de uma lua rasa
Como a brisa da carícia sempiterna
Neste chão embebido de ambrosias

Tu eras meu vício
A vívida imperfeição dos dias
O acento grave de uma ingênua perversão

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

748 - canto de insolência para afago bandeiriano

tem um silêncio que sossega minha alma
se expande na fronte e nos supercílios
quando as brisas fazem coito no olhar
e vamos vivendo de brisa, frisa o poeta
com gesto pausado no horizonte infinito
sem vergonha de que as palavras soltas
possam pousar solertes no verso arredio

terça-feira, 25 de outubro de 2011

747 - canto de insolência para foice e madrepérolas

estou fazendo exercícios para te esquecer
essas coisas de correr e deixar o corpo suar
quem sabe o amor se dissipe pelos poros
quem sabe nas flexões os músculos se libertem
e tudo volte a antiga rotina
quando havia segredos em outras peles
e eu buscava na saliva a sagração do tempo
quando ornava os lábios de fumaça
e fazia sacrifício a todos os deuses líquidos
hoje urge uma insanidade de ausências
nem a ubiquidade dos girassóis me conforta

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

746 - canto de insolência para bico de pássaro

oh! flor de tão vário cantar
quem dera o visgo no verso
para te cortejar voo pássaro

colher a brisa dos teus dons
essa ventania que ascende
e faz apetecer-me o achado

domingo, 23 de outubro de 2011

745 - canto intemporal em naufrágio



sorve-me líquido
os teus anéis
esta nau afagar

sábado, 22 de outubro de 2011

744 - poema de dor e espanto diante da alteridade da lua

como um cão enfeitiçado uivo aos teus pés
és-me lua e lençóis
cobre-se a tua face de singular arredio
onde fincas a foice do assovio
dou-me costas para lanhar
dou-me braços para o vento
mas nenhuma ponte incita esta fuga

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

743 - outro poema de louvor para senhora das brisas

andam me caindo nos cabelos
as guirlandas dessa ventania
que rogam pressa ao silencio

andam me caindo nos cabelos
o ócio de tanto mar e maresia
o embaraço da vela enfunada

andam me caindo nos cabelos
o ardor das tuas beligerâncias
o sargaço deste desassossego

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

742 - poema de solércia para arauto de proclamação

há um poema que não esqueço
e que se repete em todos os versos
regurgita na órbita das palavras
é parágrafo, intersecção, seguimento
há um poema que não esqueço
que se impregna nas retinas
como aquela nuvem distraída
no silêncio das antemanhãs

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

741 - Canção desavisada para alguns graus do homem

Trago a desmesura dos justos
A incivilidade dos calmos
Estou banhado em impolidez

Ouço das estrelas os desatinos
Perco-me em jiraus em girassóis
Sons de guizo são meus passos

A vós todos ofereço esta parvoíce
O instante do delgado e o ubíquo
O capitular em fado da existência

terça-feira, 18 de outubro de 2011

740 - canção em voo de vespa e assovio

teu calor é alheio ao meu querer
mas conspiram em ti colmeias
um eu todo retorcido em néctar
que empunho fábula e princesa
dou-me vida inteiro neste ferrão

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

739 - haikai’s profanos

flores mundanas
no avental
chuva no quintal

*
amadureceu
não caiu
sazão ou razão

*
dor de cotovelo
anatomia
de uma paixão

domingo, 16 de outubro de 2011

738 - como uma lâmina vária assentada em cascata II

há uma cisma de calor na penedia do rio
transitam anfíbios em suas armadilhas
como o abraço na vereda escorregadia

há o sismo de temor na maresia do olhar
transita afago em véspera de acontecer
como o ímpeto do pássaro em elevação

há uma cisma de calor na penedia do rio
há o sismo de temor na maresia do olhar
como o laço na tua vereda escorregadia
como o ímpeto do pássaro em sagração

sábado, 15 de outubro de 2011

737 - como uma lâmina vária assentada em cascata

um vento faz astúcia em minha face
recorta-me de reminiscência
imola-me lábios na palavra anunciada
um vento faz vertigem, miríade, miragem
um desconcerto que não ouso nominar
mas que ruge em meus supercílios

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

736 - melopeia para profanos ritos de véspera

os cavalos relincham na alvorada
são deles um pasto de alvíssaras
eu me movo atônito entre pedras
são minhas as paisagens sólidas

de resto o concreto soa metafísico
com a caricatura dos navegantes
as toscas pegadas do hermeneuta
o rápido cintilar dos olhos castos

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

735 - poema para outras doses de amores cáusticos


quando tu bailas baby
a terra arrepia meus tendões
sobe uma ventania de saudação
os pássaros se extasiam em voo
os répteis se disfarçam de silencio
o que era precipício vira prelúdio
o mundo incita teus passos
para um exercício de assombro

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

734 - poema para duas ou três doses de amores cáusticos

quem emprestou os dentes
para vazar a madrugada
se me escorre a vertigem
de inóspitas sombras
e teu retrato é o assovio
de uma inútil canção


A Luiza me fez alumbramento aqui

terça-feira, 11 de outubro de 2011

733 - poema tuareg em três versões

I
na solidão da paisagem
contemplam a areia
meus olhos desertos

II
no deserto da paisagem
a areia é o espelho
nos olhos cansados

III
no espelho da paisagem
olhos e areia
se misturam em caos

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

732 - canção para o chá da tarde da senhora dos jasmins

eu tinha os olhos atônitos para o arrebol
quando tu chegaste em lenta fotografia
foi preciso que as vagas me levassem
e dos pés o suspiro da terra fosse findo
para que as mãos acalentassem nuvens
foste assim o folguedo que se avizinha
o instante em que as brasas se acendem
a urgência que não elege arrependimento

domingo, 9 de outubro de 2011

731 - poema para quase esquecimento que não cessa

quando se nos toca a pele em olvido
do mar se ouve em vaga canto infindo
a muralha de vento o sol vai carpindo

recostam-se mãos em fino murmúrio
crivando o elo de estranhas nuvens
dos olhos vingam águas em marulho

sábado, 8 de outubro de 2011

730 - poema de acalanto para a dona dos lilases (outra versão)

estavas tão intensa no olhar
que por vezes o mundo se perdia
os átomos se concentravam
na inquietude dos teus passos

sorvias o ar com a tenacidade
dos que não sofrem de silêncios
e quando os lábios se ofereciam
as palavras luziam magnitude

eu fiquei assim com teu quadro
a me palpitar os desencontros
tão feérica quanto as nuvens
que se embriagam em harmonia

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

729 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

VIII

É de pedra a janela dos meus sonhos
Nada medra na arquitetura agreste
Cujo relógio de sol acentua a dicotomia

Na pele borda a redondilha de agruras
Nada a mágoa no couro da alvorada
Enquanto o réptil cultua o sobressalto

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

728 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

VII

Aos acordes destemperados da solidão
Vazei os meus olhos em teus espinhos
Tinhas a incongruência do mandacaru

Para oferecer o fruto há o crivo da dor
Para provar néctar há sangue na saliva
Para seca do corpo há o viço benfazejo

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

727 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

VI

Apaziguei-me de soluço em súbito salmo
Disso resulta a convivência imprecisa
Entre as bruscas levitações de pássaro

Dou ímpeto de asas às palavras arredias
Com elas vou construindo esse paralelo
Cujo fervor e desencontro são amálgama

terça-feira, 4 de outubro de 2011

726 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

V

Receio o desaparecimento do incomum
Agora que tudo passou a ser simulacro
Eu que me eduquei para tanger trovoadas

Contento-me a espreitar barrancas do rio
Esperar que o rito das águas se cumpra
Lamber a vertigem que me corta os cílios

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

725 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

IV

Não raro as coisas se misturam em luz
Então é preciso certo mister de estrela
Para elevar o brilho além da existência

Ser amálgama para todo o desconcerto
Cingir na algibeira o susto e a intempérie
Não esquecer o tempo de carpir nuvens

domingo, 2 de outubro de 2011

724 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

III

Alumbramento é um raio nos olhos
Lembra a festa de delicados trovões
É o fazer-se súbito de divindades

Quando a fronte se sente ungida
Pelo toque indelével do assombro
E as mãos carregam arrebatamentos

sábado, 1 de outubro de 2011

723 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

II

Pensei em polir umas dissonâncias
Acalentar os lagartos que se espraiam
E acender o lume das pedras distraídas

Mas são esquivas as tarefas que se impõem
E há muitos vestígios na solidão das veredas
Ali trafegam duendes e sombras em desuso

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

722 - dicionário mínimo para entornar alvoroços

I
o princípio do dia
se edifica na antemanhã
quando os olhos
se descobrem em amanhecimento

há um tardio de ignorância
nas palavras de acontecer
por isso os peixes nadam em silencio
e a aurora é a circunstância da véspera

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

721 - cantiga para estrada do nunca mais

oh meu azul de ontem e sempre
minha lágrima quase seca
oh meu embornal de retirante
meu ser insistente de louco pária

são ainda os pés que me conduzem
são de girassóis as minhas estrelas

oh meu azul de ontem e sempre
minha conserva de carne seca
oh meu jaleco de couro arrancado
minhas ranhuras na sola da alma

são dos espinhos que foge a falange
são de nós a dor, o travo, o engasgo

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

720 - poema de acalanto para a dona dos lilases

arquiteto de ofício inacabado
inventario na pele intempéries
sou refém da dona dos lilases

como a pedra em construção
espero nuvens para me fixar
neste sólido que desmancha

arquiteto de ofício inacabado
cultivo a altivez das pétalas
neste salto sem paraquedas

sou refém da dona dos lilases
dos intermináveis horizontes
do silencio que jaz o desatino

terça-feira, 27 de setembro de 2011

719 - para quando eu acordar com o vento nos lábios

eu sempre quis oferecer uma paisagem de regato
como naquelas telas de Monet
com as cores mais dissonantes de nenúfares

tu serias a favorita da ponte a lançar-me
dúvidas arquejantes no horizonte
a por cabelos alvoraçados e grisalhos

eu ficaria com a incumbência de te louvar
mesmo quando afastasses esses lábios
e teus sorrisos me fizessem desatino

tu serias nuvem no inquietante caminho
floração de múltiplos quereres
o clarim da alvorada, o despertar da ventania

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

718 - não são os poemas que nos propõem vastidão

repara que na asa do anjo há lentidão
repara que no voo há mais horizonte
repara que no movimento há impulso
repara que o olho é vitima da atenção

repara que a acidez conduz a língua
repara que o norte é sempre direção
repara que o lagarto conduz silencio
repara que no deserto areia mingua

repara que pássaros respiram canto
repara que o desatino tem voz altiva
repara que o espanto liberta o súbito
repara que mote necessita arremate

domingo, 25 de setembro de 2011

717 - outro canto de ofício para vazante de lua

não há rio maior que a minha mágoa
tão indevassável
como a solidão dos montes altos

mesmo quando a lua se derrama
mesmo quando incidem nuvens
mesmo quando

não há rio maior que a minha mágoa
tão incomensurável
como aquela areia
que escolhi para este deserto

sábado, 24 de setembro de 2011

716 - canto de ofício para vazante de lua

plantei aridez, vertigem
neste mar
onde desassossego
e velas me entorpecem
em busca de direção

o meu mar que medra
entre os dedos da mão
que ensandece

tempo crespo entre unhas
no apego, no apelo
na fina lamina d’água

árida como areia e vento
de tão profundo pesar
que acontece nos olhos

lágrima seca, extravio
o que não cabe, o sombrio
mas afoga a vida movediça

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

715 - canção para janis aparecer na janela do sétimo andar

ela me apareceu na sacada como uma pop star
em meio a tantos reluzentes passos
eu a observava vergado por recordações
na distancia insegura de dois corações

nunca nada fôramos
embora houvesse a cumplicidade da pele
nunca nada seríamos
estava no descaminho dos destinos

ela sempre me aparecia bonequinha
flertando com o pôr-do-sol
pondo levitações nos lábios
ansiando por muitos amanhãs

nada havia embora eu fosse
e tudo me trazia a voz em tragadas
madrugadas e blues
na praia de pés descalços

bye, bye, baby, bye, bye

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

714 - Canção para contradança e obnubilação

Teus olhos me inventam carinhos novos
Recobrem a placidez das alvoradas
Fazem ninho no alvoroço das palavras

Com eles envolvo desertos de candura
Navego mares em incessante busca
Esmiúço o silencio que se descortina

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

713 - antipoema para sertão, denodo e afinco

dou-me fé de palavra, dou-me batismo
todos os dias perambulo desconcertado
para florir na concretude de caracteres
só assim me vazam esses horizontes
só assim espinhos me dão existência

dou-me fé de palavra, dou-me batismo
o barro da ribeira, a moita, o burburinho
me escapam silentes versos em lagarto
assim me chegam inverno e trovoadas
assim me deliram os olhos embaçados

terça-feira, 20 de setembro de 2011

712 - antipoema para sertão, fuga e arrebol

é do visgo saliente das manhãs
que se tece o quebradiço do olhar
venta calmaria no aroma da romã
como o corpo se achasse em sumo
e provocasse inundação nos lábios

vegetam na campina ervas daninhas
são delas o travo dos passos na vereda
enquanto em folguedo os bem-te-vis
pastoreiam o desjejum dos rebanhos

o mundo acontece em um pestanejar
eu me descortino escorado na janela
com a roupa do passado desabotoada
não me lembro se antes havia horizonte
mas deixo-me perder só e ensimesmado

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

711 - antipoema para sertão, caboclinho e olhos d’água

a asa do pássaro não incita mistério
é do bico saliente que se intui enigmas
o voo é só a elevação do canto
quando atinge aquelas oitavas
que corrompe as claves em dor e sol
e o mundo inteiro faz arrulho
na inundação de um desconcerto

domingo, 18 de setembro de 2011

710 - Antipoema para sertão, juritis e mandacarus

É de sertão este mar morto que me atinge
No árido movimento dos lagartos
Que deslizam ensimesmados na caatinga
Aqui e ali florescem cactos, mandacarus
Pregam-nos espinhos nas retinas

Acometem-se oásis nos passos das veredas
Pois é do destino ansioso a sombra da rede
Nas asas do pássaro ruflam-se poeira e canto
A lamina de água corta o peixe na raiz
Os meus olhos ensandecem de calor e calmaria

sábado, 17 de setembro de 2011

709 - primeiro estágio para vivência de uns resguardos

a moça tinha pele de nuvem
não,
acho que a moça
era uma nuvem própria
sabe aquelas coisas que flutuam
e não importa se estejam no céu

pois carregam o princípio da elevação
parece que ao comando de sinais
a sina de pedra camufla algodão

a moça tinha pele de nuvem
não,
quando a toquei ela era nuvem
absolutamente dissoluta
a se deixar escorrer pelas mãos

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

708 - antipoema para uma lâmina na jugular

quando a solidão dos meus olhos invadir a cidade
estarão atentos os semáforos, sinais e out-doors
a magricela se oferecerá para repasto rápido
nos jornais estarão os incêndios das insanidades
mortes, acidentes, roubos, falcatruas, corrupção

o sol será só mais um incidente sobre minha pele
como este pretérito que despejo em tragadas
até as borboletas se refugiarão em seus casulos
eletrificadas as nuvens explodirão em espanto
nada ficará imune ao contato das têmporas

quando a solidão dos meus olhos invadir a cidade
haverá uma platéia atenta para o coito das libélulas
os girassóis hão de se rasgar no horizonte sépia
anunciarão o desassossego de rio afogando no mar
os astros desavisados estarão no orbe em frio silencio

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

707 - repente de aproximação para coisas tão desiguais

há coisas que libertam
como o cortejo de borboletas no cio
ou o espraiar dos olhos na madrugada
há outras coisas para libertar
como aquele beijo perdido na esquina
ou aquela correntinha de ouro
esquecida no pescoço
há também coisas de liberto
como a saúva que mordiscava beijo
ou a víbora que ensandecia nas pernas
há todavia coisas de liberdade
como as palavras fecundadas na alvorada
ou os versos que contaminam girassóis
há – não sei como dizer – a própria liberdade
que não cabe em nenhuma metáfora

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

706 - outro repente arisco para nomeada de pontos cardeais

quisera eu o singelo da nuvem apascentada
o teu olhar de flor prestes a sair do cativeiro
a pátina suave dos teus dentes em minha pele
o teu aroma de cereja que vem das cavidades

quisera eu carícia mais terna dos teus braços
o envolver-se de mistérios que assoma lábios
quando a estrada se faz no visgo dos desejos
quando o recato ensandece de luz teus poros

quisera eu tanta luta nesta peleja de elevação
os teus sentidos a impor os pontos cardeais
imperando com um norte para lúdica jornada
quisera eu ser forte como leste que me deste

terça-feira, 13 de setembro de 2011

705 - poema sem intenção nenhuma de acontecer

outro dia assisti um filme
em que bandeira aparece
fazendo café
bandeira de pijama

depois olha pela janela
vê a rua
já de paletó passeia
com aquele riso de pasárgada
cumprimentando as pessoas

bandeira na lida escrevendo
um poema
que não me foi possível ler
na velha máquina de datilografia
bandeira solitário entre os versos

depois que o filme acabou
pensei como seria bandeira
chegando ao céu
com aquele cortejo de anjos
em alumbramento

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

704 - metaplagio quase lúdico de bandeira para ninar

ela me fazia de silencio
para encantar-se
era tão doce olhar-nos
numa carícia tão distante
alumbrava-me de infância
como um porquinho da índia

domingo, 11 de setembro de 2011

703 - canção de bem querer para doce precipício

o lábio dela é brisa
sincero assovio
pluma
nunca dá vontade
de sossegar
o cheiro, a saliva

o lábio dela é brisa
pouso macio
recosto de nuvem
fonte
que nunca sacia

sábado, 10 de setembro de 2011

702 - variações para um poema de guerra e paz

quando falam em guerra
eu lembro de duas bombas
que explodiram dentro de mim
kamikase que sou
em hiroshima e nagasaki
era assim em átomos
vagas que queimam
ainda na solidão dos dias
quando falam em guerra
eu lembro de duas bombas
- duas torres, uma babel -
que não cansam de mutilar
(a paz)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

701 - repente arisco para nomeada de pontos cardeais

o teu corpo inteiro
é descaminho
fado de madrugadas
inconstantes
pétrea carícia,
rubro desassossego
solidão em pares
intumescidos
crescente alvoroço
para as retinas
o teu corpo inteiro
me descaminha
deixa-me silente
em alumbramentos
nada contenta
o rebuliço da alvorada
nenhuma palavra salva
o naufrágio dos teus lábios

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

700 - repente para nomeada de gravatás na trovoada

encilho o pretérito na dobra da vereda
atravesso de espinho a espinho
dou-me lamina de pele para cortá-los
e se me sangro mais
nem a palavra há de estancar

recolho as visagens de tantos preás
de tocaia para parco passarinho
dobram-se as asas, não o canto
vergam os olhos na altiva alvorada

o menino ficou na rede da varanda
alvoroçado de alumbramentos
com água nos olhos de inundação
e as mãos sedentas de te possuir

encilho o pretérito na dobra da vereda
atravesso de espinho a espinho
dou-me flagelo de exasperar
no passo mais mineral do descaminho
não há palavra que me salve da ruína

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

699 - repente desavisado para exaurir canto de sereia

tu me deste esta sina de silencio
de carpir fugas e intempéries
recortaste a face de pretéritos
com esses lábios que invocam
o tumulto de muitos assombros

és-me ilha em meio ao temporal
e não tenho porto para ancorar
um vento ruge de popa a proa
enquanto no horizonte sedoso
acalentas velas em rito de prece


* O Wilson Nanini me plantou este oásis aqui

terça-feira, 6 de setembro de 2011

698 - para uma geografia de asas cortadas

p/ Wilson Nanini


meu tumulto é a palavra
descortino alvoradas
com ela dou-me vícios
repito até a exaustão
corruíras e girassóis
jasmins e sempre-vivas
com ela alço esse ímpeto
de arcanjo sem asas
vislumbro sol e arrebol
tenho mares e alamares
feitiço de todos os santos

meu tumulto é a palavra
em raízes e predicados
silêncios e alvoroços
na mais funda evocação
com ela dou-me instintos
pelejo lamina e punhal
lido com reinos, donzelas
reordeno o mineral, vegetal
faço trovejar na caatinga
vazo leito, ribeiro e córrego
alço de ímpetos o vocábulo

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

697 - repente para colorir o aprendizado das fadas

queria cobrir de espantos
o inesperado da tua astúcia
esse ruflar de mãos
esse alvoroço de membros
mas só tenho asas em fuga
um desatino de canto
nem os córregos florescem
no naufrágio deste olhar

domingo, 4 de setembro de 2011

696 - sonata de ausência para girassol, trevo e fogo-fátuo

já não tenho mais silêncios que possam te caber
desfolhei folha por folha o trevo que encontrei
era ciranda de malmequer
arranquei os desígnios por todos os caminhos
as estradas não conduzem, abduzem
é somente sol e poeira embaçando os olhos
os girassóis aguardam mais um arrebol
já não tenho mais silêncios
agora é tumulto e insanidade percorrendo-me
não sei se esqueci de dizer que as horas queimam
nesse fogo-fátuo que ousei te acender

sábado, 3 de setembro de 2011

695 - sonata de ausência para tango de bandeira

a vida é ruína, ausência, destroços
desde o dia em que te vi
não parou de pulsar
essa tormenta que atrofia o peito
me socorrem uma tosse, um engasgo
um verso que não esqueço
morto aos trinta e três, trinta e três

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

694 - sonata de ausência para ruídos de curta duração

já se vão as coisas para o resguardo
onde se coagula o despertencimento
a cadeira deixa de ser assento, pouso
será apenas madeira e suor do trabalho
estas palavras que uso agora em diante
serão caracteres a espera de significado
pois tudo é ausência neste árido terreno
nada há de florescer sem rigor de mãos

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

693 - sonata de ausência para fado, algibeira e tabacaria

trago somente na algibeira um fardo
o extravio de tantos mapas e bússolas
essa sede de tantos desertos
a foto amarela em que sorrias em alvíssaras
o fado de noite e silêncio por todos caminhos
pois perdoa este amor de passante
que apenas recolhe fragrâncias e olhares
nunca tive ímpeto para a salvação
nunca soube recolher os sargaços do mar
trago somente o travo de um verso,
desfolhado na tabacaria de defronte

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

692 - sonata de ausência para atavio e armas brancas

perdi-me em ausências
em prólogos intermináveis
sob a prateleira jaz um coração
desde o dia em que me vi acorrentado
tentando carpir a intempérie do amor
o mesmo amor que outrora foi alvíssara
mas quem há de ser sombra se fora já luz
quem há de habitar hades atabalhoado
na loucura de pares em esquiva caminhada
perdi-me em ausências
nessa desordem cotidiana do ser e coisa
sob a prateleira jaz um coração
o mesmo que um dia fiz de oferenda
o mesmo tumulto, a mesma refrega
o amor fez seu travo, deixou sua cica
perdi-me em ausências
sob a prateleira jaz um coração
quem há de cavalgar mais um dia
quem há de ver o lume no fio da lâmina
quem há de quebrar o encanto frio da adaga

terça-feira, 30 de agosto de 2011

691 - sonata de ausência para barco, quebra-mar e violoncelo

não há contemplação
as balsas se espraiam no horizonte
acendo o cigarro e trago o arrebol
caminho entre sargaços
que o mar empresta a terra
aqui há um cheiro embevecido
que faz refúgio nas têmporas
seria melhor se chovesse
e todas as águas se misturassem
e se perdessem em sacrifício
no encontro de sal
e quatro átomos de carbono,
brandura e delicadeza
coisas que já não tenho
mesmo quando soam os acordes
e um cello desavisado me abotoa
de lembranças e tudo é um travo
como aquele que desbotou
na mancha da calça, no tecido fino
da camisa, nas meias e nos sapatos
quando as portas se cerraram
quando os lençóis se condoeram
e nada aquecia, e nada acalentava
a ausência nos meus pés umedecidos

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

690 - estudo étimo para o atalho das marinhas

tu me soubeste sal para regaço da língua
sob o desígnio das trovoadas eram riscos
raiando a alvorada em folguedos e guizos

tu me soubeste espinho na tua inquietude
em que abraçavas o espanto sem máculas
e soçobravas no sumo de atônitos desejos

tu me soubeste no atavio para tuas vestes
ornadas de semblantes, desvarios e fugas
eu era o único soluço a despir os girassóis

domingo, 28 de agosto de 2011

689 - sobre o impossível da poesia e outras levezas do vento

de nada adiantaria o amor
essa praga que alucina os dias
de nada adiantaria
se das cavernas não se repetissem
em rito os hieroglifos
de nada adiantaria
se não pintassem os esquivos traços
nas retinas de tantas cores
de nada adiantaria o amor
se a palavra não pudesse exasperar
de nada adiantaria
se o silencio não se fizesse
refúgio de todo o verbo
de nada adiantaria

sábado, 27 de agosto de 2011

688 - Metapoema para alvorada, carícia e bem-me-quer

Se tu me visses os olhos em alumbramento
Lembrando o germinar das tuas cortesias
A mesura com que me enlaçavas as mãos

Só assim me terias ouvidos para o arrebol
Contemplarias a cantiga de retina e órbitas

Se tu me visses os olhos em alumbramento
Luzindo a azenha na toada que move a água
Saberia que só o tempo nos inventa desatino

Só assim nós seríamos completa equivalência
Esse rasgo de azul que pacifica céus e nuvens

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

687 - ária de desamparo para canto coral e violino solo

urgem os arrepios nesta trilha de rubro
cantem os desatinos
urgem medéias, tristãos, édipos e infantes
cantem o desencontro
urgem rosas, violetas, jasmins e girassóis
cantem os destemperos
urgem mãos que enlaçam retina e fronte
cantem o desassossego
urgem ritos para incendiar pontes e ilhas
cantem os desvarios
urgem demônios cavalgando as palavras
cantem o desalinho
urgem trilhas para os incautos e insanos
cantem os desenganos
urgem moitas, veredas, soslaio e gravatás
cantem o desembaraço
urgem aflição, medo, atavio e desespero
cantem os descompassos
urgem ponto, parágrafo, sina, vida e morte
cantem o desenlace

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

686 - loa para a senhora de fulva cabeleira ou quando o vento habitou o precipício


ela se foi lançar outro infante com olhar e arrebol
tinir as sobrancelhas da ventura com o desatino
mesmo que eu visse que a uma nau embarcaria
e faria destino por entre icebergs e luas geladas
pois do solo da caatinga ferviam ainda os cactos
enredados de seus espinhos em trôpego cavalgar

ela se foi lançar outro infante com olhar e arrebol
espargir o soluço que desabriga os pés incautos
mesmo que eu visse que a uma nau embarcaria
e faria destino por entre fiordes e tépido bosque
em brasa se alimentavam os meus olhos fúlgidos
na espora do anel da senhora de fulva cabeleira

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

685 - sobre quando a areia incita pés descalços

era areia a pele deste desassossego
finos grãos a inventar os meus olhos
fazia tempestade por dentro a retina
eu molhava de passos teu passado
e os pés sorviam desavisado destino
era areia a pele deste desassossego

terça-feira, 23 de agosto de 2011

684 - cantiga para as águas que habitam os córregos e regatos

foi o gesto impreciso da tua mão que veio me visitar
a serenidade desse céu em que espargem nuvens
a melancolia de tantas horas premeditadas ao ócio

foi o gesto impreciso da tua mão que veio me visitar
envolver de suavidade esse regaço que contemplo
esquecer a sede e o tormento que aniquila o tempo

o orbe da palavra murmura memória: disse o poeta
como devaneio desperto criar aquilo que só vemos
neste gesto precioso da tua mão que veio me visitar

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

683 - ária de almas imprecisas para o navio fantasma de wagner

quem sabe do mar acolher as suas vagas
supõe do amor corrente de fiel fantasma

quem sabe assim em velas colher desdita
supõe do amor lealdade de vento em proa

senta na calma nuvem que obnubila o céu
senta em desatino de alma à procura de lar

domingo, 21 de agosto de 2011

682 - ária de preceito para adaga e lenço branco

não me soube vento em passeio por tua pele
como não me sabia sopro no encargo da voz
não me sabia sinal das tuas possíveis cartas

acumulei de presságio duna e branca nuvem
no céu habitei retinas de horizonte e arrebol
no caminho de lajedo e pedra deslizei silente

não me soube augúrio no passo da chegada
não sabia que no fado da água povoa soluço
de nada sabia e me afogavam língua e verbo

sábado, 20 de agosto de 2011

681 - madrigal de lisonja aos encantos de senhora e lavanda

com quantos nomes assinaria por ti o amor
pois de amar se colheu múltiplos ramos

e nesta enseada onde vicejam areia e pés
e nesta paisagem de nuvens em alvoroço

cumpre o vento de seguir-te os passos
cumpre o pássaro de alçar-te em voo

com quantos nomes assinaria por ti o amor
pois de amar se acolheu o fogo em sossego

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

680 - ária de entardecer para senhora de alfabeto delicado

seria preciso adentrar os ismos
para alcançar a verve do improviso
ela escreve em alfa, beta, gama
flutua por arcturus, antares
ledo engano quem pensa em augúrio
é uma pena que flui em correnteza
sabe aquele assovio de pássaro
aquela cantoria de festa do feijão
aquele assomo de realeza em desatino
uma escrita em princípio de elevação

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

679 - poema para ruir os últimos moinhos de vento (metaplagio em cascata para solista e coral)

a noite fez ruir teus cílios, minhas sobrancelhas
a noite fez ruir teus cactos, minhas madrepérolas
a noite fez ruir teus insetos, minhas mariposas
a noite fez ruir teus pastores, minhas alcateias
a noite fez ruir teus quandos, minhas incertezas
a noite fez ruir teus quadros, minhas molduras
a noite fez ruir teus mapas, minhas geografias
a noite fez ruir teus idílios, minhas fantasias
a noite fez ruir teus sinais, minhas idolatrias
a noite fez ruir teu alfabeto, minha idiossincrasia

a noite fez ruir o silêncio, o girassol, o moinho de vento,
a atônita sinfonia, os florais de bach, a orelha de van gogh,
o adagio de mahler, o quinto, o sexto e o sétimo selo,
toda a cavalaria e meus alamares

a noite fez ruir minha repetição, a medíocre poesia,
o último trago do cigarro, aquela cena de cinema,
binoche, deneuve, delon,
o salvador, a memória e as insígnias do tempo,
a pasárgada, o bandeira, a sentinela,
o vizinho, o cravo nos dentes,
o inútil bem querer que insisto em outorgar

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

678 - poema para ruir os últimos moinhos de vento

a índole da palavra viceja em órbita
salta aos olhos a cada parágrafo

a cada pausa
é preciso colher as intempéries

no risco, no riso, na alegoria
projetar de silencio a imagem

a cada desatino
sussurrar o alfabeto de espanto

quem sabe o poema nasça
com esse viço de elevação

quem sabe o vício enlace
esse fluir de regato na alma

terça-feira, 16 de agosto de 2011

677 - récita alegórica para ermo, grade e jardim abandonado

Canso-me deste enternecimento das violetas
Agatea, leonia, mayanaea, isodendron, viola
Tão sensíveis na desoladora procura por ar

Logo eu que afoito no passo vivo a arquejar
E os olhos cansados debruçam-se púrpura
E a mão há muito não colhe senão ausência

Canso-me deste enternecimento das violetas
Como me cansam paisagens pejadas de sol
Caiu-me a noite em madrugada sem floração

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

676 - poema para a alegria de Bach e floração de Vincent

quando eu era menino e ouvia bach
havia jesus na alegria dos homens

depois eu adulto, só e desencontrado
caem-me as tintas de tosco entardecer

perambulo no esquecimento desperto
procuro a orelha esquerda neste trigal

van gogh se aproxima com os pincéis
breve teceremos cantata de girassóis

domingo, 14 de agosto de 2011

675 - poema desencontrado para gioconda ao arrebol

caiu-me o poema em ventania
eu que de ladainhas me repito
quero acoitar-me nos desvãos
encontrar a récita para assalto
e tirar verso do encantamento
que se desnuda no cílio casto
na linha dúbia deste entardecer

sábado, 13 de agosto de 2011

674 - ária de contralto sobre desolador cello de Barber

Deram de florescer magras petúnias em meu olhar
Ficaram róseas as retinas na paisagem umedecida

Parece que as mãos calosas de um deus petrificou
A tua imagem nuvem no céu caudaloso de agosto

Não me cansa carpir sobre o ermo que é a espera
Infinda prece que se abriga de silencio no alpendre

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

673 - rapsódia para quando ventarem os girassóis de agosto

depois que ela se foi com as intempéries de agosto
eu fiquei com esta face em desalinho: os pés atados
caminho sobre pedras como se em lanças afagasse
tenho dito as cotovias que nenhum canto nos salva
mas elas insistem e eu fico atônito entre sustenidos
outro dia lagartos deram de açoitar versos e estrofes
queriam o sabor das auroras em germinação estéril
depois que ela se foi com as intempéries de agosto
meus instintos se arvoraram em verbo ensandecido

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

672 - variação para cello e oboé em agreste rapsódia

tão sutil o visgo dessa sede
seiva que escorre em lábios

eu querendo florir a tua pele
voce esquiva em pas de deux

aprendiz estágio de purificação
corpo em sublimação de altura

não fosse o casulo que me cala
não fosse desatino ao derredor

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

671 - Cantata em rito para novena de sete noites

é preciso acolher tempo e silencio
sou rio nessa empreitada de mar
e os olhos deram de acender nuvens
vejo girassóis em abóbadas e auroras
assim me alimento de contemplação
mesmo vazio pesam-me as algibeiras
deve ser o estranhamento que carrego

terça-feira, 9 de agosto de 2011

670 - rapsódia de alumbramento para gioconda ao arrebol

seria imperioso que os teus olhos passassem
com esse jeito desconexo de fitar o desalinho
como se a coisa mirada estivesse embebida
numa aura de equidade entre os hemisférios

seria imperioso que os teus olhos filtrassem
a maresia que contamina o espelho do asfalto
reflexo de rotas e extravios, obituário de sais
e ficassem no lusco-fusco que atrai mariposas

seria imperioso que os teus olhos declinassem
de toda a singeleza que envolve as cartografias
e de repente altiplanos, horizontes e metáforas
fossem apenas precípuo para o alumbramento

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

669 - rapsódia incômoda para extravio e embaraço

algum tempo acreditei na pele como atavio
e que a têmpera dos anos fosse delineando
o descaminho que flora na carne os sentidos

mas sob o impacto dessa chaga que me arde
diviso a luz que trespassa os corpos em sede
sei que a aurora fenece sem alarde e encanto

hoje tenho as mãos enredadas em solilóquio
nenhuma sombra acompanha-me de acalanto
nenhum canto suprime a inutilidade do existir

domingo, 7 de agosto de 2011

668 - rapsódia desencontrada para estados químicos dos corpos

não guardei os caminhos que me trilhaste
mas as intempéries trago-as triste
o sol em destempero neste agosto

esta vontade de lua cheia
acende lume nos invertebrados
cada toque arisca a pele em chagas

tu não me ensinaste apascentar a chama
queimam-me os sóis em querelas
nem os peixes se refrigeram em líquido

sábado, 6 de agosto de 2011

667 - metaplágio para tempestades de início do verão

acaso tu sabes dos percalços
que imantas em meus olhos
quando desavisada
irrompes neste silencio
e todo o mundo se concentra
no achado das tuas mãos
e todas as órbitas
giram desencontradas
e eu no mais fundo sacrilégio
mergulho em prece
neste infindo precipício
de línguas, bocas e peles

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

666 - metapoema assustado à guisa de portos cardeais

ao oeste do que me vive
comove o verso que leste
és meu norte por todo sul
mesmo em sol quando suo

intuo de arroubo o sumo
da palavra atada ao cais
para subverter da sílaba
vértebra nua em voo cego

* A Dani me fez feliz oferenda aqui

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

665 - prosa rasa para rútilo cintilar

a poesia escoiceia a didática
obcecada pela ânsia do espanto
ruge aos sentidos em oferenda
para fluir trôpega na vertigem
lamber os parágrafos da língua
improvisar um rito de assombro
saciar assim o céu de elevação

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

664 - estudo para étimo consoante aboio na caatinga

por pura assepsia retiro a palavra estéril
deste dicionário idiossincrático que velo
como velam o cuspe sonoras carpideiras
como os velhos velam o tempo da espera

também seria a palavra reverencia retirada
por pura simbologia ao dicionário que velo
como velam as árvores na paisagem tardia
como os ventos imolam o casco do navio

seria de bom alvitre por fastio em retirada
pelo que se denota a acepção da palavra
numa espécie de cansaço, fadiga, afronta
numa inércia que deixa repousar o volátil

deste dicionário que velo o silencio bastaria
como flecha para atingir todos os sentidos
como manto para tingir o véu de toda face
como um acalanto para tanger o intangível

*Bate-papo comigo no blog do Gustavo

terça-feira, 2 de agosto de 2011

663 - repentino ávido para lumes do arrebol

há um assombro de impaciência
sob a tênue luz dos vagalumes
quando teus passos se deslocam
e fito fixo esse espelho que me és
destino inexorável, risco de tristeza

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

662 - repentino casto para amoras, violas e oboés


para decompor-se
em fidalguia no teu olhar
urge a aurora de assombros
anuncia-se o sobressalto de luz
o jasmim refrigera-se no orvalho
enquanto do outro lado da moeda
acena-me o infortúnio das tuas mãos

domingo, 31 de julho de 2011

661 - cantiga de sopro para instrumentos de chave

espero a solidão no recôndito osso
quanto fores desavisada ao silencio
e eu estiver carpindo as madrugadas

ouço a ventania que rude se aproxima
atiçando crinas nos cavalos marinhos
sou pleno de mar em vaga e desapego

ainda há pouco pedras conjugaram pés
confidenciaram a rotina de um caminho
é assim o amor: itinerário ensimesmado

sábado, 30 de julho de 2011

660 - Rapsódia inóspita para asas em desassossego

Sob o espanto do canto o vento imola as asas
Sob o desconcerto da tarde todo pássaro é sol

Assim emplumado vibra o ar em sustentação
Hóspede do vácuo levita no céu a indagação

A diligencia do vôo fecunda insólita nuvem
Anuncia um pretérito de vocação para rastro

Assim em velas orienta-se a nau para o espaço
O pássaro desvela a vereda que vigia o insólito

sexta-feira, 29 de julho de 2011

659 - ode ao tempo e a persistência da memória

p/ o quadro de Salvador Dali




aguardo as indocilidades do mar
a atroz impossibilidade do vento
sal e ar a se imiscuírem na pele
formando essa camada disforme
que peja a marca de uma sombra

pulsam os relógios ensimesmados
tenaz o rio açoda a vértebra do tempo
cai-me a visão sobre matéria e ossos
eu que num breve estertor serei cinza
enquanto fluem as imagens em aflição

quinta-feira, 28 de julho de 2011

658 - sonata em dó maior para rude amanhecimento

não sei de que estrela habita teus sentidos
essa iluminação imorredoura dos cílios
essa troça de imolar silencio com lábios

enquanto cultivo atento sol e maresia
enquanto germino o desfecho dos astros

não sei de que estrela habita teus sentidos
mas sei que dia haverá para pacto de mãos
para as promessas vicejarem em desenlace


* ganhei um poema mui belo aqui da Daniela

quarta-feira, 27 de julho de 2011

657 - ária desolada para sanfonas e rabecas

quando a folha caiu distraindo a eternidade
eu tecia o arrebol para o teu acalanto
tu não estavas mais a névoa que te sonho
eras uma ausência enternecida no céu

quando a folha caiu distraindo a eternidade
eu tecia mais um emaranhado de cismas
tu não estavas com o manto que te cingia
eras a face pungente de uma pétala ao vento

terça-feira, 26 de julho de 2011

656 - outra cantata arisca para a senhora do magazine

estou sozinho diante dos exércitos do teu soslaio
por isso exercito a minha yoga de verbo e versos
quem sabe um dia tu pronuncies um poema meu
com esses lábios lilases que sopram riso e riscos

segunda-feira, 25 de julho de 2011

655 - réquiem para a última cor harmonizada da primavera

Preciso afugentar a ponte que me liga a tua ausência
Criar embaraços para o amaro regurgitar do pretérito
Derramar as prateleiras onde teimam em se esconder
Aqueles livros fantasmas que anunciam os encontros

Com apreço contentarei neste existir desassossegado
Serei o próprio cão que faz teatro para as carruagens
Mas eu mesmo nunca mais embarcarei em propósitos
Estarei atento para quando o silencio pedir passagem

Preciso afugentar a ponte que me liga a tua ausência
Mesmo que as minhas chagas lancinem em convulsão
Mesmo que as lápides das paixões anunciem no vazio
Preciso afugentar a ponte que me liga a tua ausência

domingo, 24 de julho de 2011

654 - cantata arisca para instruir novo prelúdio

a partir deste poema de Eurico

verter: estágio líquido para o desejo
o mundo cíclico, a palavra encíclica

noite: ser emergente de pretéritos
o osso lasso, o erro crasso

instinto: afago do querer se chegar
a calma rente, a alma insurgente

diáfano: barco de travessia do olhar
o porto desabitado, a porta aventurada

ádito: deslizar por veredas sem sulcos
a ruga destronada, a rusga enraizada

retórica: atalho para se perder em fala
os olho rasos, os passos desordenados

sábado, 23 de julho de 2011

653 - rapsódia distraída para a urgência da palavra

os teus siderais anelos
a minha sina inoxidável

os teus pretéritos partidos
a minha ida inconsequente

os teus olhares em órbitas
a minha retina fatigada

os teus subterrâneos caminhos
a minha estrada apascentada

os teus cálidos sobressaltos
a minha mão de eterno desterro

sexta-feira, 22 de julho de 2011

652 - ode desafeto sobre os conceitos de gato, cavalo e casa

p/ Marcantonio

se me falham sentidos sopro o cerne da palavra
desencontro-me em sede e deserto abismado
comparo o gato a um desengano como Voltaire
em desvario de louco no quarto escuro da casa

se me falham os sentidos sopro o cerne da palavra
então galopo em corcel avermelhado pela tarde
comparo o cavalo a um desengano como troiano
pois no ventre do ser inunda a chaga da destruição

se me falham os sentidos sopro o cerne da palavra
divago sem redenção, sem o fundamento da ilusão
em nada comparo o desterro que impõe o vocábulo
matéria fria, estrutura amorfa do corpo sem sintaxe

quinta-feira, 21 de julho de 2011

651 - canção desavisada para voo de tsuru e grou


foi de lá, daquele silencio
entremeado de soluços
que fui buscar sementes
para germinar este campo

foi de lá, daquele silencio
que por ora amansa o peito
que também fui ao crepúsculo
amealhar esta vermelhidão

foi de lá, daquele silencio
cortado de lembranças rudes
que fui encontrar as palavras
um depósito de rubros repentes

* Hoje estou em entrevista com amigos no RoxoVioleta

quarta-feira, 20 de julho de 2011

650 - outra ciranda para espinheiros, cactos e gravatás

p/Dani Carrara

sabe aquela sensação de pertencimento
que reside nas gramíneas do jardim abandonado
assim estou
pairo obscuro entre as tuas palavras
que insistem em me despir

terça-feira, 19 de julho de 2011

649 - ciranda para espinheiros, cactos e gravatás

depois do teu encontro ficou-me o olho deserto
sonho com dentes em oásis de língua
procuro os baixios onde crescem sempre-vivas
o mar se abriu em pretéritos para o entardecer

segunda-feira, 18 de julho de 2011

648 - poema reflexo em solidão diante do espelho

respiro esta tarde sob a ternura da crisálida
queria estar eu pronto para o voo
mas só me resta uma asa interditada
anjo quase morto, náufrago solitário

domingo, 17 de julho de 2011

647 - cantiga de predição para encontro de córrego e arroio


há um poema que eu persigo
até ele se engendrar perfeito
como um adágio de mahler
como aqueles campos de girassóis
embalsamando a orelha de van gogh
há um poema que eu persigo
e se repete em árias e se faz dissoluto
que se doa e que foge e quer alcançar
as vielas de nuvens que abrem o céu
há um poema que eu persigo
para o instante derradeiro de remissão
afogar meu isolamento de dicionário

sábado, 16 de julho de 2011

646 - sobre o conteúdo da fala na sina da caatinga

cede-me o silencio com que enfeitas o ventre
para que o menino travesso de jaleco e couro
atravesse alado a retina imorredoura do sol
e de braço dado com o majestoso mandacaru
deixe que os espinhos cravem pele sobre pele
o colo da manhã, o saliente canto do bem-te-vi
e assim siga o incólume curso desse regato
que se destina ao capricho de gesto e de mãos
para se fazer em prece a esguelha do espanto

sexta-feira, 15 de julho de 2011

645 - sobre o conteúdo da fala em corcel enluarado

reparte-me em lança as crinas do peito
a luz do relâmpago risca o tecido da noite
enquanto dormem as criaturas de boa sina
cavalgo enluarado no improviso da palavra
numes e nomes cativos na doação do verso
pulso incondicional na metástase do tempo

quinta-feira, 14 de julho de 2011

644 - récita de improviso para andorinha no arrabalde

para onde vão os que me vivem os olhos
toda a terra é escombro em meio ao labor
é inverno quando quelônios desaparecem
recorro às vísceras para perceber as rotas
há atalhos que clamam pedindo consolo
não ouso sussurrar a ventania que habita
o centro desse escudo disforme e arredio

quarta-feira, 13 de julho de 2011

643 - poema de louvor para senhora das brisas

cala-me amorosa dos dias meus
sopra a delicadeza dos teus gestos
nesta récita de inconfundível langor

que por ora o tempo se acalma
e o cais distante se faz em porto
cala-me amorosa dos dias meus

recolhe a intempérie dos passos
que vincaram estradas mais viris
contempla esse alvorecer sutil

quando ao acaso emplumados
fitamos o horizonte de letargo

terça-feira, 12 de julho de 2011

642 - poema de açoite para pasto encantado

a minha face ornada de equívocos
e eu oro desordenado
pela presteza da palavra

separo sépala, corola, cálice
cultivo no jardim inconsequências
e eu ouro depreciado

há sinais de poeira na dobra da fala
cala a gramática em redoma delicada
já posso ser projétil de toscas rimas

* A Cris me fez uma delicadeza (não tenho adjetivos para a emoção) sem par no Trem da Lira

segunda-feira, 11 de julho de 2011

641 - outro pranto da fala em cordel incandescente

ah quanto eu quereria inflamar essa chama
e sobre o estrado da derradeira alvorada
derramar as quimeras que o vento intenta
mas estou ermo de ancestrais alfarrábios
e padeço do incessante eflúvio das horas

domingo, 10 de julho de 2011

640 - ária de assovio para divinais pomas

admiro a sinuosidade que se ergue
e se oferta em taça de excelso vinho
ali repouso oferendas do meu encanto
ali deposito o fastio da minha língua
a escorrer mel da fonte que não cessa
do encontro que não cansa de florar

sábado, 9 de julho de 2011

639 - sobre o pranto da fala em cordel incandescente

amor hoje me assaltaram tuas lembranças
aquela sesmaria do teu corpo me persegue
perambulo bemol, fantasma, dríade e ninfa
aquele fogo que me deste aceso nos anéis
vem das ruas em recitais nas encruzilhadas
afogo-me em etéreo arroio que ainda vaza
faze-me voz para teu verbo, arreio para pés
esculpe em minha fronte tua atroz semente

sexta-feira, 8 de julho de 2011

638 - sobre invernos, travessias e umbrais

p/ Lelena em seu dia

o colo da manhã umedece os passos
sobre o lume da estrada distraída
meus olhos pendem para o infinito
enquanto a mulher de riso asteróide
descortina faces e frases no varal

quinta-feira, 7 de julho de 2011

637 - sobre o conteúdo da fala no dorso da manhã

as águas vivas inauguram o solo de maresia
eu devaneio margaridas e cavalos marinhos
sob a capa de uma estrela respinga meu suor
quem em vagas divagam são os pintassilgos
teço loas para o incandescente raio da manhã
atônito o lagarto desdenha dos meus passos

quarta-feira, 6 de julho de 2011

636 - poeminha torto para final de travessia

queria recordar-me já antigo
na fresta de uma nuvem apascentada
com meus olhinhos de girassol
e a algibeira farta de silêncios

terça-feira, 5 de julho de 2011

635 - solilóquio rústico para outra dança do vento

soletro o teu hálito em minha língua
quando tu sorris amorosa em vulva
e todos os anseios suspiram a pelos
para trilhar-se caminho de um cheiro

segunda-feira, 4 de julho de 2011

634 - pouca polca para olhos esguios

eu te fitava lábios, seios e coxas
inteiro no bem-me-quer de vadio
faltava dança na frase que urdia
mas fez choro em rude sinfonia

domingo, 3 de julho de 2011

633 - sobre o conteúdo da fala sob o céu do palato

quando digo pássaro anuncio um ímpeto
desperto o sentido primevo da anunciação
faço o vício de asas ocupar-se do encanto

quando digo pássaro inauguro a intempérie
escuto o ouriço ruflar-se em vagas de mar
destino em vendaval o emaranhado da voz

quando digo pássaro silencio outros gritos
deixo perplexo o assovio que sibila no monte
enfim defenestro a contenda do impossível

sábado, 2 de julho de 2011

632 - solilóquio rústico para mudança dos ventos

A noite intenta o rastro de um cheiro
O orgasmo da lua faz a sombra palpitar
A memória produz insone algaravia
- melodia ancestral –
Quando o alfabeto era o uivo da alma


* Marcantonio dedicou-me um poema aqui

sexta-feira, 1 de julho de 2011

631 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos (a quarta metade)

Eu vos peço humildade em santa peregrinação
Habitam-me as vestes de encíclicas parábolas
Sou lobo, sou servo, sou cordeiro, sou Prometeu
Queimo no fogo que inopinadamente dispersei

quinta-feira, 30 de junho de 2011

630 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos (terceira imagem)

Ao tudo que indica girassóis repetem o crepúsculo
Eu repito as palavras em sagrada oferenda
O espelho repete a imagem refletida de um caos
Meus atônitos passos se espalham pelas ruas
Querem cruzar sinais, fazer prece nas esquinas
Enquanto a tarde reclama iridescente por do sol

quarta-feira, 29 de junho de 2011

629 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos (versão sucinta)

Pertence ao repentino uma florada de lilases
Pertence a urgência o desatino do caminhar
Aos olhos pertencem a impaciência e o limo
Pois é de apascentar a visão que floram rios

terça-feira, 28 de junho de 2011

628 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos

A tarefa de fazer pertencimento ao mundo
É relatada ao corpo pelo contágio do chão
Dizem os sábios que o vento imanta a pele
A brisa por vez molda saliência na têmpora
A chuva nos tragefa pelo olfato e pelo táctil
Quando amanhece faz relâmpago nos olhos
Aflitiva é a frágil noção de desconhecimento
Assim como o mundo fez princípio no verbo
O rebuliço nas palavras empalidece a carne
Solitária ao mar a ponte espera transeuntes
Metáfora que ressoa no abandono desse cais

segunda-feira, 27 de junho de 2011

627 - poema de feitio para senhora da tarde

alguns fantasmas me rodeiam
perambulam em interrogações
como quando só tu me avistavas

de feitio abstrato vinhas em valsa
ao sabor do tempero das palavras
dançavas ao exercício da sintaxe

eras flor no arrepio de lua e aurora

domingo, 26 de junho de 2011

626 - Canção de preamar entre o crepúsculo e o amanhecer

A água é benfazeja assim como a palavra
Navegam-se em ventos, remos e verbos
Brusca bússola na sílaba, no leme, na pele

A água é benfazeja assim como a palavra
Vergam-se sortilégio, tormento, intempérie
Vagam em vazios na sede de corpo e alma

sábado, 25 de junho de 2011

625 - Carta de doação à mercê do vosso esmero

p/ Daniela Delias

Deixa-me um visgo em tua sílaba
Átona e desavisada encíclica palavra
Correndo céus entre pele e estrelas
Na dolente gramática das retinas

Infinita constelação em pária galáxia
Esteira brilhante, verbo de anunciação
Mão que pousa o cintilante no arrepio
Moto contínuo para estrada de sem fim

sexta-feira, 24 de junho de 2011

624 - Poema de resina e cristal para distorção ótica II

O teu olho percuciente me consome de caos
Fito desejando cílio, sobrecenho, supercílio
Ornada de pelos a vulva altaneira desliza ilesa
Da face à tona circunscreve rebento movimento

quinta-feira, 23 de junho de 2011

623 - Repente enluarado para outras armas brancas

A lâmina não sabe a inconveniência da carne
Desliza o corte até separar em partes
Assim cumpre o rito prescrito do seu ofício

Há sinas de lâmina que se apossam do olhar
Varam de rasgos as noites em ventanias
Nunca se tem o pressentido nem o que virá

quarta-feira, 22 de junho de 2011

622 - Repente enluarado para armas brancas

p/Marcantonio

Esgrima, alfanje, cutelo ou faca
A lâmina incita o risco
Em vão verga o aço na palavra
Que a si carrega engenho e carne

Pelo fio deslizam anelos
No manejo singelo do compasso
Em que pairam os arremessos
No espaço curto e convexo do medo

terça-feira, 21 de junho de 2011

621 - Canção de antevéspera para desígnios alheios

a partir deste poema de Jorge Pimenta

a gás e fogo se consomem as palavras
nódoas de uma história civilizada
os frutos já não apodrecem:
volatizam-se em sementes,
somente o tempo avança sobre tudo
e espreita o ar de indagação dos girassóis

segunda-feira, 20 de junho de 2011

620 - Poema de resina e cristal para distorção ótica


Eu te digo, embora não me creias
Que os lilases reverberam mansidão
Que os muros caiados estão propícios
Aos encontros fortuitos dos pardais
Tanta coisa que eu te digo
Mas tu, em santa inocência, não crês
Em meu amor também não crês
Não vês que ele é cristalino e retina
Estão continuamente criando-te imagem
Eu te digo, embora não me creias
E passeias o desencanto nas palavras
Enquanto vives absorta, solene
Semente no simulacro da poesia

domingo, 19 de junho de 2011

619 - A balada de Jack e Esperanza (para o Lalo)

Eu devia peregrinar mais, caminhar mais. O sentido da existência pode ser isso. Caminhar em descaminho. Sorver a solidão dos passos. Embrenhar-se. Mas deitado no sofá eu contemplo o mundo. Desde a minha barriga, estão o planeta terra e o universo. Tudo se move no orbe do meu nariz. Já escolhi ser o despropósito. O que procura toscamente a sombra, mas não há. Mesmo o vazio não há. O ar que respiro infla os meus dias de tédio. E o tédio é avassalador com as palavras. Modorrentas elas ficam inertes no poema. Palavras em estado vegetativo. Pudesse eu soprar inadvertidamente as espirais de fumaça. Ficar em completa abstinencia do verbo. Deitado no sofá eu estou somente, só mente.

sábado, 18 de junho de 2011

618 - Recitativo breve para quando a onda faz marulho

o amor é coisa insurgente
reina em aparições
tu me floriste em relâmpagos
neste orbe de súbitos arrepios

eu nada sabia de celeste pétalas
até tomar o arado com afinco
e compor árias de ressurreição
para que inteira estrela estejas

sexta-feira, 17 de junho de 2011

617 - Poema de invenção para prosa de Zappa

assim zarpam os barcos para os naufrágios,
eu me afogo em livros e coxas

quinta-feira, 16 de junho de 2011

616 - Ária imodesta para alçar o canto da cotovia

Há um veio de cheiros em tuas carícias
Um novelo enluarado de repentes
No desalinho das manhãs raiadas

Há um veio de cheiros em tuas carícias
Uma sedução de imprevistos
No vaidoso silêncio de fluir os gestos

Há um veio de cheiros em tuas carícias
Que comove de atrasos as horas
E faz morada no assovio do vento

quarta-feira, 15 de junho de 2011

615 - Poema de captura para senhora dos alísios

Eu pensei que o cálido vento
pudesse anunciar mais que incertezas
mas volto ao antigo compasso
relembrando a solidão dentro do silêncio
ou o silêncio dentro da solidão
não importa a ordem para a angústia
tampouco importa se por ti dobram sinos
e os relógios sujeitos à intempérie
congelem os ponteiros à tua chegada
apenas creio que devo informar
o incêndio que se aproxima do corpo
breve se lançarão os sinais de fumaça
anunciando a nossa singela imperfeição

terça-feira, 14 de junho de 2011

614 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço X

X

A reticência faz abuso nas curvas do rio
Dobram contrafeitas metáforas descabidas
Em recurso último de salto e cachoeira

Elísios campos em alusão a elipse
Contratura de foz em curvatura
Dói-me a alma por princípio de cura

segunda-feira, 13 de junho de 2011

613 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço IX

IX

A serpente respira a saliência da pedra
Orna-lhe de olfatos um canto mineral
Desliza em precipícios o corpo esguio

Assim me rio de toda singeleza do fato
Pois habita esse silêncio escorregadio
Que germina o pranto no verso inoculado

domingo, 12 de junho de 2011

612 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço VIII

VIII

Aquietou-se o malmequer de florir
Terreno todo feito para espasmos
Lacinia, sépala, calêndula

Marcam-me horas e maravilhas
Odores premonitórios e água viva
Para ser hábil na língua do pássaro

sábado, 11 de junho de 2011

611 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço VII

VII

Sobre o rasgo da campina impera
Frondosa em sua majestade
A íntegra solidão do jequitibá

A ábobada folhagem toca o céu
Enquanto rijos os olhares se ajoelham
A contemplar a imensidão de candura

sexta-feira, 10 de junho de 2011

610 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço VI

VI

Cores tardias riscam o observar
Sacoleja de ombros o bem-te-vi
Soletra seu canto em tertúlia

A menina zombeteira de saia e riso
Me solfeja sua alegria nos dentes
Sigo cego pronto para o acidente

quinta-feira, 9 de junho de 2011

609 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço V

V

É da astúcia do aço o sibilo
Risca o pássaro, corta o cacto
Vibra silente feito víbora

A natureza do bote no repente
Até na água atinge a mira
Não há disfarce que lhe finja

quarta-feira, 8 de junho de 2011

608 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço IV

IV

A cauda inclina o lagarto
Em sua densidade horizontal
Areja o vagar do rastro na paisagem

A cabeça oscila em desafio
Contrafeito com a sede de músculo
Cai-lhe o verde feito musgo

terça-feira, 7 de junho de 2011

607 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço III

III

O olhar do peixe é puro brilho
Corta nas águas suas laminas
Flecha de anzol que não engana

Entre guelras e escamas
Elude ingerências transparentes
Salta líquido no arrepio do engenho

segunda-feira, 6 de junho de 2011

606 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço II

II

Perdura na inquietude
O rumor de asas no pássaro
Orna-lhe pétalas laterais

Do seu bico de assovio
Sopram as forças em voo
A melodia ampara-lhe no ar

domingo, 5 de junho de 2011

605 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço

I

Para colher espantos
A natureza douta
Umedece os cactos

São assim fugazes
Os efeitos do espinho
Criva-nos espasmos vegetais

sábado, 4 de junho de 2011

604 - canção tardia de amanhar rebanhos

a avassaladora lua da madrugada
faz-me sonhar princesas descalças
e constatar o peito pleno de vazios

sexta-feira, 3 de junho de 2011

603 - poema para todos os graus de alteridade

divindades silvam faces recortadas
sob a etérea e repentina luz,
que senhor de ambiguidades
soprando terços ao acaso
urdiu a trama e sonhou a força
para o laço e aceno de mãos

quinta-feira, 2 de junho de 2011

602 - Canção antiga para fotos no baú

O tempo passa tão veloz, dizem
Mas insisto aqui na esquina
A esperar o beijo de despedida

quarta-feira, 1 de junho de 2011

601 - Litania desmesurada ao cativo dos teus braços

Oh rosto meu que de ti ouviu sorrisos
Qual ao léu em brumas conteve os cismos
Cujo infante singrando nau em teus mares
Fez desabalar o giro do tempo no encalço

Oh rosto meu que de ti ouviu sorrisos
Qual ao léu em brumas conteve os cismos
Se vencido ou dominado não importa o crivo
Sob as calhas da razão dói mais o esquecido

terça-feira, 31 de maio de 2011

600 - tremem as vestes da rainha sob a ventania

a rota do horizonte inaugura o por do sol
o crepúsculo se banha no olho do pássaro
a réstia que ilumina o rosto a torna divinal
tremem as vestes da rainha sob a ventania
mas o perfil imóvel delineia minhas órbitas

segunda-feira, 30 de maio de 2011

599 - suíte suicida para almíscar, pele e escarpas

adoro a superfície dos teus pezinhos escandinavos
eles me pisam numa orgia tão delicada
eles me atenuam dos graves scarpins

domingo, 29 de maio de 2011

598 - Outra balada de pedra, rio e correnteza

Fui teu gentil até perceber as incoerências
Que me traziam agravo nos passos
E as reticências na crina do olhar
Até perceber as ondulações na planície
E a insolúvel intempérie dos gestos
Declino pois de tuas mesuras e temperos
Dos cheiros que ensandeciam a pele
Cultivo só os cataclismos das rugas
Lâmina que me rasga espelho e face

sábado, 28 de maio de 2011

597 - para uma geografia de ânsia canibal

valéry criou o leão de cordeiros assimilados
eu de minha sorte pastoreio cabras
nesse quintal desmesurado de incoerências
e a minha fome ancestral devora arbustos
sou pleno de vegetação rasteira

sexta-feira, 27 de maio de 2011

596 - suíte para uma possível confluência de rios

Quis a ventura do meu olhar te encontrar sossegada
Feito moça com brinco de pérola a espantar o vazio
Quis a ventura recolher em ramos os teus encantos
Para adornar a fronte desassossegada deste pária
Quis a ventura estancar com um assovio toda a dor
Num relance descortinar a rota final para o extravio


* O Ribeiro Pedreira ofertou-me um poema aqui

quinta-feira, 26 de maio de 2011

595 - canção de fortuna para homens e caranguejos

desliza pelos baixios a insígnia das marés
sob a vista escorregadia dos crustáceos
cujos olhos apontam no céu em comoção
as flores tardias que medram no mangue

quarta-feira, 25 de maio de 2011

594 - balada de esquecimento aos longos cursos d’água

há um desembaraço na calmaria desse dia
que já se agitou em pretérita tempestade
hoje a polidez é fonte de tua anunciação
as águas de augúrio perderam-se no mar
são astros lívidos no mais longo dos ocasos

terça-feira, 24 de maio de 2011

593 - Suíte insolúvel sob a luz do candeeiro

Venho limando as arestas do impossível
Dias e noites em ansia e contrição
Rezo pela causa dos ensandecidos
Os que burlam a lógica da florescência
E querem antes provar o agraço

Venho limando as arestas do impossível
Dias e noites em cólera e borrasca
Rezo pela causa dos ensandecidos
Pelo desenfreado rumor das veias
Sobretudo o resíduo inútil de fervor

segunda-feira, 23 de maio de 2011

592 - poema da mais fina casta dos jasmins


sob meus pés as relvas fazem embaraço
crescem-me heras na fronte envelhecida
meu olho se alumbra na teia de ramagem
como ciclope divago na areia da vertigem
tudo em mim passeia com sede vegetal
sangro planta e flor em artérias acidentais

domingo, 22 de maio de 2011

591 - cantábile para alfabetos em rotação

tínhamos o convívio tosco dos enamorados
cuja variante de olhares não se despregam
e cuja cútis reflete o rubor das descobertas
   tínhamos o incêndio da página vazia
   na ânsia desordenada das caligrafias

sábado, 21 de maio de 2011

590 - para uma canção sobre a essência táctil

sobre a tua pele de sensíveis arrepios
corre a brisa do meu hálito
corre a vertigem de dedos e anseios
plasma o clímax de recentes oferendas

sobre a tua pele se alastram os começos
as estradas que dão para o sem fim
o precipício de palavras que se agitam
e condensam essa nuvem em ebulição

sexta-feira, 20 de maio de 2011

589 - um outro poema já tão velho quanto a canção

desde que me desentendo com as palavras
uma voz soprano me habita os ouvidos
perambula em minha face descortinada
ansiando por horizontes e metáforas
enquanto assovio Joe Hill

quinta-feira, 19 de maio de 2011

588 - girassóis insinuam a rota do amanhã (duas versões)

I
para os olhos que dobram cimos e
sorriem acorrentados em tanto zelo
inútil soslaio desta mão que velo
imenso engano desse novelo

II
na volta do caminho
tem o mistério do cansaço
de mãos que colhiam seixos
e esperavam o fluir dos peixes
na anágua da sereia

quarta-feira, 18 de maio de 2011

587 - Poema para os eus que invadem minhas narinas

Deito em teu mundo perfeito
Nele ouso fazer acrobacias
Não no meu
É iminente o risco de cair
Mesmo deitado assim
Com mãos flutuando ao peito

No teu modo de mundo perfeito
Voam trapézios nossos ossos
Entre o escafoide e o metacarpo
A lã corrói o aço
Não no meu
Qualquer esboço é fracasso

Preso em teu mundo perfeito
Apenso ao alto desfiladeiro
Há calma e paz
Mesmo cruficado de ais
Não no meu
Cujo sossego é letal

terça-feira, 17 de maio de 2011

586 - ária profana pra ritmos intangíveis

Ela me esperava pássaro de laço inteiro
Deitava festa, empoleirava
Sorvia o canto de asas emplumadas

Eu flutuava num rastro de assovio
Com os pés alados em obediência
Breve seríamos redondilha maior

segunda-feira, 16 de maio de 2011

585 - suíte para violão tenor e amarelo

do que vejo pelo chão
são sombras rotas
imensidão

tocou-me ás em xeque
rainha de bolero

do que plaina em mão
pleno exército
de indagação

criva-me pelo em crina
cavalo de mistérios

do que finda no infindo
desafia a sina
curvam-me as retinas

domingo, 15 de maio de 2011

584 - poema para todos os partos de minha costela

as mulheres que amei sempre me foram desconhecidas,
bebiam a minha sede e se fartavam em minha fome,
depois se iam com meus passos tontos

sábado, 14 de maio de 2011

583 - canto para território de consoantes e vogais

cada palavra inventa sua geografia
como um corpo inventa a sua pele
mesmo sem vento que o impele
nem susto na caligrafia

cada palavra inventa sua geografia
como o pássaro inventa as asas
mesmo sem o canto de alforria
nem espanto na agonia

sexta-feira, 13 de maio de 2011

582 - Poema do mais repetido clamor da sexta-feira

Minhas temporas doem às sextas-feiras
Inflamam-se e desatinam
Minhas temporas se lembram do teu olhar
Aquele que me empregavas
Quando chegavas submissa ao desejo
E tua respiração arquejava no ventre
Minhas temporas doem às sextas-feiras

Creio que eu era feliz com os sobressaltos
Com as peripécias de tuas idas e vindas
Mas estavas para mim às sextas-feiras
E os músculos reagiam com alegria

Minhas temporas doem às sextas-feiras
Repetidamente, intermitentemente
Mesmo que outros frutos se ofereçam
Num repasto macio de carnes latejantes
Minhas temporas queimam às sextas-feiras

quinta-feira, 12 de maio de 2011

581 - Canção de fervor a aurora crucial

Outrora a estrada se perdia no infinito
E era tão bonito o horizonte da manhã
Com o hálito de terra molhada
Os passos salpicados de amanhecimentos

quarta-feira, 11 de maio de 2011

580 - Sonata para dois pianos e flautim

Deixa-me assim, menino tolo com teus encantos
Marinheiro tonto em meio às tormentas
Deixa-me assim, regozijo de puro tremor
Mãos que bordam o desalinho da pele
Que nada mais te peço brilho de turmalina
Deixa-me assim, recluso em tuas digitais

terça-feira, 10 de maio de 2011

579 - metapoema para o silencio que arde na nuvem II

as nuvens são por excelência inflamadas
nós é que não percebemos
o fogo que as consome

nós é que não percebemos
a dor etérea em suspensão

segunda-feira, 9 de maio de 2011

578 - metapoema para o silencio que arde na nuvem

sinto-me tomado de orvalho
quando vislumbro
o que os olhos já não veem
e nesse naufrágio de nuvem
sem porto nem cais
vagam-me em reticencias
a vidraça e a paisagem
a fina íris de melancolia
para qual se debruçam
meus pés ensimesmados

domingo, 8 de maio de 2011

577 - Ode para caminho de pássaro entre crisântemos

Há quem vislumbre sobre o amor imensa pele
Lugar de assovio para águas
Mar de intensa sede

Eu o vejo espraiado em desatinos
Curva que não se pode alcançar
Horizonte de pares em desalinho

Pois do amor sabemos fogo e intempérie
Fulgor que se assanha em labaredas
Dor que instila veneno e alimento

Há quem vislumbre sobre o amor torta inclinação
Querubins sorrateiros em festa e seresta
Inculcando as faces de interjeição

Pois do amor eu nada quero saber
Contento-me em provar a foice aguda
Sentir o arrepio do corpo arquejante

sábado, 7 de maio de 2011

576 - Balada sobre uns nadas que avançam parados

Não consigo fazer da poesia lugar para acalanto
Antes tormento, aflição, desassossego e pranto
Nem mesmo a ti, etérea pastora dos meus versos
Consigo dar forma de nuvem sem vir tempestade
Desabam incrédulos os desejos sobre os ombros
Delira a mão de correnteza, rio que a tudo arrasta
E se do assombro restar quem sabe sal e ternura
Cede a minha sina: põe meu caos em tuas retinas

sexta-feira, 6 de maio de 2011

575 - enquanto o poeta prepara o repouso da alma

o punhal rasga a sílaba do poema
a tormenta fere o pálido na página
o ímpeto assalta marés assustadas
o frio entorpece os dedos fugidios
o cálido sopro se anuncia em retorno
a calma clama a invenção da chama
no infinito as palavras não se bastam

quinta-feira, 5 de maio de 2011

574 - canção para estilha de pedra no regato

também já fui diverso
avesso a união
universo de solidão

também já fui o verso
inverso da oração
apenso a tua estrofe

também já fui imerso
verbo estranhado
absorto na imensidão

quarta-feira, 4 de maio de 2011

573 - balada de voo longo dentro da noite

Nunca imaginei o encontro na esquina
Depois da canseira de pernas nas pedras
Daquelas ruas íngremes cheias de horizonte
Para mim a lua de São Jorge ainda flutuava
Líquida entre os passantes mais apressados
Pois havia a fumaça que entorpecia a sede

Eras o seu texto a tocar-me entre os dedos
Enquanto esperava o abrir-se da cortina
E finalmente a tua aparição
Como na pose do disco antigo da Janis
Talvez, talvez ainda corressem outros rios
Em meio aos ritos que apressaria a mostrar

Para mim a lua de São Jorge era de mais luta
De combates sangrentos, espadas e grilhões
Tu a fizeste mais próxima das fantasias
De princesa inacabada na frase do poema
Em teu soslaio de quem traga o pensamento
E se oferece em encontro fortuito na esquina

terça-feira, 3 de maio de 2011

572 - canção de espera para a natureza das pedras

há de provir o tempo para que eu plante e germine
as auroras que buscam despertar os prodígios
enquanto o rio corre em mansidão pelos vales
e as pedras comedidas banham-se em letargia
há de provir o tempo para que eu plante e germine
o visgo precioso da centelha que aflige eletrizada

segunda-feira, 2 de maio de 2011

571 - balada de incenso e sândalo para senhora do paraíso


teu último beijo me arde
nas retinas incendiadas
tão medonho o demônio
de tuas ternuras bestiais

domingo, 1 de maio de 2011

570 - pequena écloga para jogral de Rimbaud

as cores pariam intumescências
nos olhos crispados do entardecer
o menino ventava uma correria
na memória de uma infância antiga
os pássaros já se empoleiravam
esperando a sinfonia que desabava
junto com a noite de seus espíritos

o que jazia no caminho era a ponte
atravessada de reminiscências
a insolência de mãos e desatinos
um fulgor que íntimo se imantava
o cortejo de mulheres em benção
e os sábios desejos que floresciam
salpicando de terra todo o orvalho

sábado, 30 de abril de 2011

569 - canção de brisa benfazeja

se na palavra penso
por ela me dou salvo

existência que baste
ponte pênsil da frase

às vezes me doo tenso
cedo calo e me canso

assim repetido o canto
assim calmo o remanso

sexta-feira, 29 de abril de 2011

568 - canção de vento doido que não cansa de zunir

quanto tu me vinhas de umbuzeiro farto
e postavas mãos cansadas sobre o peito
declinava o sol nas veredas dos baixios
as aves sangravam penas nos assovios
os peixes sucumbiam em águas e estrelas
alguns animais cobriam-se em coito e ritos
cheirava na panela o azedume das carnes
assombrações vinham descansar na rede
e eu vagava em agouro atrás da alvorada

quinta-feira, 28 de abril de 2011

567 - Canção para o improvável caminho das algas

Ela cultivava o olhar pleno de silencios
Esculpido na face de vertigem e sombra
Nenhum movimento impingia desconcerto
Nem mesmo o agudo tinir das espadas
Que ainda se digladiavam em seu peito

quarta-feira, 27 de abril de 2011

566 - metapoema para senhora de anéis corredios

A moça é de puro encanto em seu espreguiçar
Cai-lhe o sol sobre a calmaria em única oferenda
Eu aprendi a desejar-lhe na frase de um poema
Depois atônito quis eu dar-lhe forma de verso
Para seviciar a candura sonora daquele sorriso
Que de vez em quando me oferecia uma brisa
E com ela serenava a angústia dos crepúsculos