segunda-feira, 31 de maio de 2010

231 - poema de chuva e arroio


no limiar das tuas tranças
ilumina-se o cômoro
ali onde a vista espalma
o repouso de nuvem
e mãos atordoadas
imperam soberanas
sobre a rala vegetação

domingo, 30 de maio de 2010

230 - ária mínima para contralto


Canta em mim uma interjeição de séculos
desabrocha nesse jardim inóspito
Onde palavras singram céus
E sem rumor asas tentam vôo

sábado, 29 de maio de 2010

229 - metapoesia no jirau


dói-me um ócio de outono e uma ânsia de primaveras
que de pasmar fico eu em noites acalentadas de vento

sexta-feira, 28 de maio de 2010

228 - poema da mais casta paixão


tens amor em segredo de castiçais
em noites esgueiradas de delicadeza
quando os lençóis investem-se
de uma sobriedade atroz e tentam
cobrir a fortuna das tuas violetas

quinta-feira, 27 de maio de 2010

227 - balada de encontro sem fim


eu a vi tristemente sem face
ostentando a pátina da exposição
e enquanto transpirava
tudo exalava urgência e mistério

precipitado nesse alvoroço
movia as pedras no tabuleiro
quem sabe assim encontrasse
o xeque-mate derradeiro

quarta-feira, 26 de maio de 2010

226 - suíte de sertania desencontrada

preciso desaprender mais o mistério da cercania,
quem sabe num olhar em volta,
pairando em asas
cumprindo a circunstancia do ser vivente

e reluzindo o negrume das pedras toscas
aquelas esquecidas de beira de rio
onde a água carece de cortejo e luz
e os animais cansados pousam a língua

preciso desaprender com as preces da lua dormente
com os uivos e lampejos que se espiam
como sombras da mata
feito a solidão da alma encantada de trovoadas

terça-feira, 25 de maio de 2010

225 - cantiga de adormecer presságios

esqueçamos os vitrais
eles não fazem mais parte da paisagem
somente o coração desfila solene
por estas cercas de jasmim
e carrega anseios de esperas e vindas

esqueçamos os vitrais
repara na uniformidade deste silêncio
ele aprisiona as árvores que te foram cativas
concede-me apenas que te doe estes olhos
eles são tua imagem em todos os espelhos

segunda-feira, 24 de maio de 2010

224 - poema de desdita


cumprimos a senda de outros olhos
neste fado sem quimeras
não chegamos a lugar algum
e deste mar sem escrúpulos
nos banham vagas ensimesmadas

domingo, 23 de maio de 2010

223 - fantasia para sempre-vivas


No terreiro em que me havias deixado
Bois ruminam versos engasgados
Cristais se eternizam nas mandíbulas

sábado, 22 de maio de 2010

222 - prosa para um solo de blues


toda morte em essência é renascimento
morremos para florir eternidades
seja no espaço de um abraço
seja nas sílabas da palavra
seja na carne do silêncio

sexta-feira, 21 de maio de 2010

221 - fantasia para couro e corda


a senhora das madrugadas
tinha o feitio rútilo
era alvoroçada de gestos
em seu vôo desencontrado

a senhora das madrugadas
enternecia lençol e orvalho
para o entrelaçar ardoroso
da nossa tosca primavera

quinta-feira, 20 de maio de 2010

220 - essência


desde que me desconheço
não abro mão do que sôo

quarta-feira, 19 de maio de 2010

219 - poema de algum fenecimento

caem-me da mão vestígios de muitos olhos
sobre os quais feneceram meus instantes
estou constantemente flechado por soslaios
arrebatado por iluminações breves e fúteis
ladeado por paredes sem frestas, sem respiro
somente neste transe quedo-me ao espelho

terça-feira, 18 de maio de 2010

218 - recitativo seco


roubo a algazarra das ruas
para tecer esta sinfonia de caos
cigarras em plena combustão

segunda-feira, 17 de maio de 2010

217 - cantata (di)amante


anseio reescrever meu ócio no teu corpo
como a maresia que me arde os olhos
como símbolo do desejo que não aplaca
o fervilhar deste sangue em minha língua

domingo, 16 de maio de 2010

216 - poema de algumas vontades

tenho vontades de coisas simples
colher sorrisos e ter avencas no quintal
andar de mãos dadas com as palavras
para que elas não se finjam em ir embora

fazer uma lista de livros que ainda vou ler
cumprir as promessas que fiz outrora
quando havia mais arco-íris nos olhos
reescrever os poemas que estão na gaveta

de pessoas que não se assustem
com este silêncio que derramo nos passos
das auroras no alto da serra de São José
onde o tempo parecia cristalizado no orvalho

do rio da infância que me banhava o peito
das águas que corriam em todas as fontes
do sereno da noite que era invenção do luar

dos dias e das horas de ócio entre os irmãos
dos suspiros na rede em seu eterno vai e vem
tenho vontades de coisas simples

sábado, 15 de maio de 2010

215 - confeitaria


o verso viceja no alvoroço da palavra

sexta-feira, 14 de maio de 2010

214 - fantasia para cravo e alaúde


do mar não quero o alento
de vagas e ilhas nuas
onde habitaram teus desejos
antes anseio repouso de areia
o sobraçar de uma ventania

quinta-feira, 13 de maio de 2010

213 - poema imprevisível para amor demais


nem sempre foram serenas as preces
com que inventei o assombro da paixão
nem desmedidos os versos que te imolei
para dar descanso à fadiga das mãos

pois cumpro penas de doar-me e te servir
e de carpir o calabouço de horas e dias
sem bruma que flameje o peito insano
para fazer restauro ao caos de tanto sentir

quarta-feira, 12 de maio de 2010

212 - cântico para engenho de amor

primeiro foi uma saudade tola que me deu
depois reticências fincaram-se nos escritos
- feito sombras de um destino cigano -
agora sou todo ermos sob a lua de abril

terça-feira, 11 de maio de 2010

211 - cálido encanto


com avidez do raio
colho esperança
nessa réstia de olho
que sacia o dente

segunda-feira, 10 de maio de 2010

210 - a augusta tradição


a terra desolada de Elliot
o jogo de dados de Mallarmé
a tabacaria de Fernando Pessoa
o barco bêbado de Rimbaud
as flores do mal de Baudelaire
o corvo de Allan Poe
as elegias de Rilke
os poemas de amor de Neruda
a vida severina de João Cabral
o poema sujo de Ferreira Gullar
a Pasárgada de Manuel Bandeira
os sonetos de Camões
as folhas na relva de Whitman
o navio negreiro de Castro Alves
a pedra no caminho de Drummond
os tigres e punhais de Borges
me atravessam como um silêncio

domingo, 9 de maio de 2010

209 - Floração de abril II

Sou de desordem comum
Vivo de enumerar estrelas
E quando um verso acontece
Fico todo prosa
Acorde que se queda ao luar

sábado, 8 de maio de 2010

208 - Floração de abril

Fito as cores desse espanto
Com olhos de passarinho
Sou tão assustado sozinho

E o meu canto se resume
A essa saudade dormente
Que nenhum verso embala

sexta-feira, 7 de maio de 2010

207 - súbita radiação


o sopro úmido da tua voz
faz espirais enquanto oiço

quinta-feira, 6 de maio de 2010

206 - poema em tarde de cetim


posto que estás silente
permita-me o descanso
em tão regaço ebúrneo

quarta-feira, 5 de maio de 2010

205 - canção de mais outono


em algum lugar ouve-se a voz
e nunca lugar houve a ouvir-se
senão como coração a pulsar
a evadir-se sem mar e solução

em algum lugar repito a canção
e repilo os ombros que amparam
mas ensombrecem a paisagem
e busco mãos como se fora luz

os deuses tecem a sua urdidura
e baloiço meus vestígios pela rua
algum lugar dobra-se em esquina
e reconstrói o arco-íris do amanhã

terça-feira, 4 de maio de 2010

204 - balada de sincera paixão

cuidadosamente espero que recomponhas
as frágeis e delicadas horas que te desejei
em meio ao fragor da ventania que dissipa
a nuvem incessante que habita meus olhos

sou eu um teu gentil ainda que atormentado
pela paisagem vil do corpo que me negaste
e neste instante dedico estas ternas palavras
para que não calem em mim os sentidos todos

segunda-feira, 3 de maio de 2010

203 - cantiga romana

assim como a candura do vento
que me acha o cabelo
na balbúrdia das ruas

trazes o esquecimento das horas
como sonho e diário
para bordar minúcias

e cresces como visgo nesta pele
em que escrevo e rabisco
a palavra e o verso arisco

domingo, 2 de maio de 2010

202 - Uma fonte, um caminho: o sinal


ali rebrilham de formosura teus lábios em flor

sábado, 1 de maio de 2010

201 - Primeiro de Maio


Apesar de feriado nacional
o amor não bate em ponto
tampouco quer ser facultativo