segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

1001 + 80 - Poeminha para fina caligrafia

Tudo se torna canção
Uma pedra
Uma nuvem
A solidão

Dois olhos
Um silêncio
Um hiato
Ou um afago

Tudo se torna canção
Mesmo que a
Palavra cansada
Diga não

Duas ruas
Um perímetro
Ou aquilo que
Não se acentua

Tudo se torna canção
Um mínimo
Um acontecimento
A lua e o cão

Duas pontes
Uma travessia
Um vão
Talvez sim ou não


terça-feira, 12 de novembro de 2013

1001 + 79 - Poeminha de nenhuma ou múltiplas faces

Tenho semelhança com orvalho
Abraço a festividade de rio
Fico inteiro passarinho
E assim, copioso de aparências
Adormeço tardio de esquecimento

domingo, 15 de setembro de 2013

1001 + 78 - 1 decálogo/1 tábua/1 pedra

I
1 poema nasce
Assim na noite
1 poema cresce
Assim na noite
1 poema morre
Assim na noite

II
1 poema
1 equívoco
1 sonho
Assim na noite

III
1 poema
1 cigarro
1 abraço
Assim na noite

IV
1 poema
1 sede
1 esquecimento
Assim na noite

V
1 poema
1 flor
1 silêncio
Assim na noite

VI
1 poema
1 azar
1 ausência
Assim na noite

VII
1 poema
1 átimo
1 sopro
Assim na noite

VIII
1 poema
1 salto
1 precipício
Assim na noite

IX
1 poema
1 eu
1 nada
Assim na noite

X
1 Fim


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

1001 + 77 - Ária de estertor para contralto profundo

Ela não mais virá
Com citações da Hilda
Ou poemas de Leminski
Há agora este real flamejante
O diário íntimo do cotidiano
A febre do fazer, estar, resistir
Este apelo cruel da existência
Dos duodécimos bancários
A contabilidade do pão, do leite
Ela não mais virá
Contemplar os mortos da página
A remissão do silêncio e das palavras

sábado, 3 de agosto de 2013

1001 + 76 - Instruções normativas para um breviário de nadas

Não escolha caminhos
Não deseje palavras
Dê as costas para ausências
Não discuta com o silêncio
Escolha árvores escuras
Converse com peixes ávidos
Esqueça gramática e dicionários
Cultive a lucidez dos vaga-lumes
Deixe aflorar a demência no verso
Compartilhe pedras e cigarras
E se tudo isso não der em ruína
Comece a temer a surdez dos vegetais

p.s. “sobre o nada eu tenho profundidades”
Manoel de Barros

segunda-feira, 24 de junho de 2013

1001 + 75 - a primeira vez que estive em ti

ventou em moinhos o coração
fez calmaria e temporal
na mesma perdição
me perdi em tanta pele e mãos
a primeira vez que estive em ti
não cabia de soluços a solidão

sexta-feira, 14 de junho de 2013

1001 + 74 - Acendendo a vela para Dario com um cigarro (com um cigarro acendendo a vela para Dario)

p/ Dalton Trevisan

hoje vário silêncio me acompanha
feito a solidão de um anjo morto
na castidade do olhar

hoje me acompanha silêncio vário
feito um anjo morto da solidão
no olhar da castidade

segunda-feira, 10 de junho de 2013

1001 + 73 - Fragmento desperto para remendo em corda de violão II

Este amor que atravessa comigo
Carrega um deserto
O suplício de uma sede
Nem mesmo teu silêncio pode matá-lo

quinta-feira, 6 de junho de 2013

1001 + 72 - Sonata para pergaminho e renda branca


andávamos, andávamos
era só isso o que queria
até o peito pulsar vazio
um sopro no precipício
e as veias sonolentas
rebentassem atônitas

andávamos, andávamos
em nenhum bar caberia
nenhum cigarro suficiente
até as mãos se cruzarem
o gesto apenas esboçado
perdido olhar em extravio

andávamos, andávamos
nada na palavra perseguia
nenhum sorriso benfazejo
tudo que não mais queria
até a sílaba colidir o verso
até o passo quedar imerso

andávamos, andávamos
não saberia dizer a cidade
mas havia o poeta, a praça
o rumor dos transeuntes
o incessante fluir de vozes
um vácuo vindo dos lábios


segunda-feira, 3 de junho de 2013

1001 + 71 - outra receita para brindar amores aziagos

1 poema de rimbaud
ou
1 ácido verso de piva
1 episódio de new york stories
(lições de vida)
1 cabernet sauvignon
cem anos de solidão
a whiter shade of pale
no volume máximo


*Poemas meus na revista Pessoa com ilustração de Lelena Terra e curadoria de Luiz Ruffato.

terça-feira, 28 de maio de 2013

1001 + 70 - porque o coração queria ser Piva e Orides II

Quando o pássaro acordou
Não havia canto nem voo
No céu a nuvem distraída
Desdenhava as suas asas

sexta-feira, 24 de maio de 2013

1001 + 69 - por ti cometeria os pecados mais singulares II


eu vou ficar esperando pelo cigarro
pela última estrela
pelo latido aflito dos cães
pelos poemas que não foram escritos
pela caligrafia rasgada de nomes
eu vou ficar esperando
por um nada, um vazio, um caos
até o peito explodir como uma galáxia

sexta-feira, 17 de maio de 2013

1001 + 68 - Canção para véspera do branco e das mãos


No dia que cheguei de tantos caminhos
Teu corpo era um porto de alvíssaras
Nós que muito já nos havíamos
Tu me trazias o espelho de várias sílabas
Eu me tinha em avessos de estrelas
Nos nossos passos pousaram pássaros
E nos despimos na interrogação dos dias
Feito sonho cravado na pupila do outono

segunda-feira, 13 de maio de 2013

1001 + 67 - Ária de sagração para pedra, flor e água


Não guardo nenhuma intempérie
Nem mesmo raios que ora me habitam
Atravessam a silhueta deste ubíquo olhar
Nada me alcança em tormenta

Venho desde muito longe
Até o mar submergir as palavras
Como uma pedra desnuda
E uma flor sem mágoa

quarta-feira, 8 de maio de 2013

1001 + 66 - Metaplagio cabralino para orgia de astros


um cão sozinho não tece a madrugada
ele precisará na rua de outros cães
que junto com ele elevem o uivo à lua
numa teia inconsútil de lágrima e solidão

sábado, 4 de maio de 2013

1001 + 65 - Metaplagio líquido para tempestade e ventania


(à guisa de um diálogo com Wilson Caritta Lopes)


Guardei nuvens em teus ninhos
Agora me vens em tempestades
Fulguras assim em cisma e raios
Fria lágrima cristalina sem idade

Tão nu sou tu nesta silhueta rude
Inverso de um outro que se abre
Do que sinto com a veste infinda
Semente de céu deveras anunciada

Assis Freitas


*O cara da tempestade*

Guardei sua chuva nos meus ninhos,
desde então, pressinto tempestades,
livro-me de toda roupa, logo que sinto
as primeiras ventanias encharcadas.

Eu me visto com seu corpo,
e mesmo de olhos fechados
defino a silhueta dos seus ombros
sob raios e cismas da pior seca

Surja pelas sombras negras
deixe que as lágrimas vertidas
pelo céu transformem-sêmen...

Pode inundar a terra trazendo vida
este amor com cara de alma lavada
levando nossa semente apaixonada.

Wilson Caritta


domingo, 28 de abril de 2013

1001 + 64 - parábola de vestal, sangue e oferenda


À noite, os lobos se vestem de lobos
e vão buscar suas ovelhas.
Durante o dia repousam solitários.
Mas, à noite os lobos precisam ser lobos.

Olha o presente lindo que a Tania me ofertou

sexta-feira, 26 de abril de 2013

1001 + 63 - sobre labirintos, túneis e o eterno retorno


Você vai e escreve um poema
Alguém lê e acha só enganos
Alguém teoriza sobre a linha evolutiva 
da poesia brasileira contemporânea
Alguém encontra substratos niilistas nos versos
Alguém reacende a discussão envolvendo 
os oximoros dialéticos na poética do pessoa
Você vai e escreve um poema

terça-feira, 16 de abril de 2013

1001 + 62 - Ensaio sobre pactos, cactos e espinhos


Tudo o que conheço são caminhos desolados
Paisagens remotas de homens sozinhos
A fome, a sede, a angústia
Nada que eu possa compartilhar sem febre
Neste incêndio que assola as retinas

quarta-feira, 10 de abril de 2013

1001 + 61 - “Um livro que só no escuro se consegue ler” *


As pedras caíam como nuvens em silêncio
Tudo era proscrito: a solidão: as sombras
Os espelhos: as flores no meio do oceano
Fustigavam os azuis, um atalho, um livro
Nada esperava por nós, mas se propagava
Este sangue inútil a atormentar suas veias

*o título é um verso de Tomas Tranströmer 

sábado, 6 de abril de 2013

1001 + 60 - Nenhuma marca incide a este rio


vais descendo sob meus olhos
como uma chuva apaziguada
sem raios ou trovões
embora tudo seja devastação

quinta-feira, 4 de abril de 2013

1001 + 59 - hoje me embriago por um amor ou um café


Quando o poema chega
Vem vadio feito inferno
Trajando um riso de lua

Então, feito cão em desterro
Tenho que uivar meus erros

quarta-feira, 3 de abril de 2013

1001 + 58 - Por mais que o coração seja mallarmé


Pronunciei teu nome ao vento
E atirei à sorte em lance de dados:
Deu silêncio

segunda-feira, 1 de abril de 2013

1001 + 57 - receita para brindar amores aziagos


1 valsa triste
ou
1 ária de verdi
1 soneto de neruda
1 cohiba
memória de
minhas putas tristes
bourbon a gosto

sábado, 23 de março de 2013

1001 + 56 - sonata para um quase outono


adorna-me uma tarde, o silêncio, um carmim
os olhos distantes de tudo, o peita singra
como num poema de Neruda sinto-me ilha

quarta-feira, 20 de março de 2013

1001 + 55 - Ensaio para o que caminha em mim


Cingir céu, nuvens
Abarcar como rio
Adornar flor, chão
Coroar como rosa

Atar ermo, fontes
Abraçar como luzir
Ligar montes, astros
Cercar como farol

Ladear riso, áspero
Enredar como gesto
Rodear rota, espelho
Abranger como cimo

segunda-feira, 18 de março de 2013

1001 + 54 - Modelos para armar o outro, o mesmo


Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
Assomam tigres, punhais
Mascúspias e amarelinhas

Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
Uma casa tomada, relatos
Uma rosa profunda, ficções

Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
O ouro, a areia, inquisições
Cronópios, famas, territórios

Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
O elogio da sombra, a cifra
Todos os fogos, último round

quinta-feira, 14 de março de 2013

1001 + 53 - sonata para cravo e baixo contínuo


nenhuma palavra cálida
nem alma ávida
nenhum corpo dádiva

nenhuma rima impávida
nem lágrima grávida
nenhuma asa válida

segunda-feira, 11 de março de 2013

1001 + 52 - Ensaio sobre a inveja dos pássaros


meu sonho era ser passarinho
não que eu quisesse voar
ou cantar bonito
a mim me bastaria
a suavidade de um pouso

sexta-feira, 8 de março de 2013

1001 + 51 - ensaio sobre os destroços da linguagem


Rimbaud desistiu de escrever aos 20 anos
Goethe tinha o hábito de escrever em pé
Drummond gostava de picotar papel e tecido
Maiakovski sofria de transtorno de limpeza
Hemingway deu um tiro na própria cabeça
Neruda tinha a mania de colecionar insetos
Kafka só dormia com as janelas abertas
Mark Twain fumava desde os oito anos
Guimarães quase desmaiava ao ver sangue
Poe tinha aulas de matemática no cemitério
Tolstói aprendeu o esperanto em três horas
Luis Vaz de Camões era cego do olho direito
João Cabral e Jorge L. Borges ficaram cegos
Nunca se soube qual era o pé torto de Byron
Fernando Pessoa vaticinou em última frase:
"Eu não sei o que o amanhã trará"

segunda-feira, 4 de março de 2013

1001 + 50 - Ensaio sagaz para gumes delgados


Da faca em sol
Cortou-me
Na pele, o sal

Da lâmina em mar
Rasgou-me
Em fio, o vento

Ando pois vulnerável
Ulcerado na palavra
Atravessado de punhais

Do meu pálido tecido
De sílabas orvalhadas
Este incêndio de espadas

sexta-feira, 1 de março de 2013

1001 + 49 - fragmento ctônico para górgonas


não me cobre o olhar:
da trança de medusa
- prefiro ser pente



terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

1001 + 48 - Epístola para rumor de águas na alma


Caminho sobre escombros de terra e sal
A chaga no olho o mar apaziguou
Fito sereno a antiga palavra
Aquela que no corpo se consumiu
De onde estou aprendi a ouvir o silêncio
Meu coração está inteiro poema

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

1001 + 47 - canção de metaplagio para cavalinhos de bandeira


Cansei de viver de brisa Anarina
Agora quero tudo que não tenho
Bafejo de mar, nuvem dançarina

Quero cortejo de horizontes
Esperanças perdidas em becos
Andorinha fazendo verão

Cansei de viver de brisa Anarina
Ternura e corações despedaçados
Amar-te como passarinho morto

Pasárgada não me espere
Passei a vida inteira à toa, à toa

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

1001 + 46 - tratado sobre a vigília do orbe


uma inércia longínqua 
me fazia sombra
quando a noite dissolvia 
silêncio e solidão:
eu me pensava 
pássaro em suicídio

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

1001 + 45 - Ária para um poema d’além mar


Ao Leonardo B.

já nos escrevemos por tantos
e vagam-nos alfarrábios e pele

o tempo nos guarda este
singelo
cortejo de vazios

se somos não estamos
há uma sucessão de nadas

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

1001 + 44 - fragmento para duas ou três mortes


o corpo é esta nau em desalinho
sob um sol que me come a pele
triste: o vento que a nada impele

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

1001 + 42 - Quando o poema é apenas circunstância



o nume, o lume
há que se acender
como aquele farol

para anunciar o nome
com sílabas em sorriso

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

1001 + 41 - à guisa de um exercício para abandono


para Nydia Bonetti

com quantos corpos se faz a solidão
com quantos mares se traga o amor
com quantas esperas se bebe a dor

para quantas margens convergem
o alvoroço de pétalas, o voo silente
repentino de sílaba que não alvorece

as coisas que se escondem enfermas
como a ária antiga esquecida na voz

com quantos anseios se rasga o peito
se o abandono é olor que beija a pele

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

1001 + 40 - Ensaio instável sobre os princípios gasosos da matéria


Quem disse que tu és quimera
Se estás inteira aqui na pele
Enquanto prossigo e respiro
E até os meus olhos singram
Por este oceano que tu miras
(As unhas crescem e os cabelos
Se atormentam de vento)
E mesmo os navios reorientam
Bússolas, reordenam mapas
(Quando fores estuário
Quando fores marés
Quando fores vazante)
E feito Ulisses avisto a Ítaca
E as tranças de Penélope
E preparo o corpo para mãos
Nesta imensa solidão e ruína 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

1001 + 39 - estudo singular sobre plumas, minérios e afins


daquele sonho de asas
ficou a ideia de voo
sobre rasos precipícios

daquele sonho de águas
ficou a ideia de liquido
sobre rasos que inundam

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

1001 + 38 - A canção de amor para fogo e imensidão


Então sigamos tu e eu, como naquele poema do Elliot,
Tu me emprestas os olhos para eu beijar as avenidas
Eu te ofereço este réquiem de silêncios
Mas nada sei além do cansaço de pernas e mãos
E há muito sereias não cantam no ermo da noite
E já não me lembro da insidiosa pergunta: qual?
E quem de nós ousaria perturbar o universo
Não é nada disso, em absoluto, nada disso
Apenas soluço e afivelo lâminas que não cortam
E assim vamos nos afogando neste vento gelado
Almejando a palavra impossível que se estende
no crepúsculo como este rio solene e insondável