terça-feira, 25 de dezembro de 2012

1001 + 37 - Suíte serena para impossível pastoral


para Elieser César

Eu sou destroços
Habitam-me o cinza e o pálido
Nas mãos a coleção de vazios
Por falta de raiz estou nuvem
No caminho de esperas restam
Ausência, sombra, esquecimento
Hoje queria apenas ter guardado
A foto da mulher que eu amei

domingo, 23 de dezembro de 2012

1001 + 36 - Ária de consolação para gravetos ao luzir do sol


ao poeta Ledo Ivo (1924-2012)

do pássaro absolutamente plano
espio pairar as asas pelo campo
no sol que arde a pele: quisera
eu não ser tédio e sim a pluma
e levitar incenso e ária em nume
com olhos infestados de espanto
o pássaro é absolutamente canto

sábado, 22 de dezembro de 2012

1001 + 35 - Canção porosa para folha branca e gume do olhar


p/ Állyssen Andressa 

tenho tuas mãos sobre a palavra
escrevo relevo, espáduas, enlevo
a bruma me cai instigante, inefável
não sei se poria chama na cintura
há decerto porto para todos verbos
o lugar inacabado de uma poesia
onde morre o silêncio na pedra fria

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

1001 + 34 - Balada para a garota num vestido vermelho descendo do carro branco


Ele me perguntava pelo tempo:
Será que hoje chove?
Olhava o céu, contemplava
Vinha um vento, outro vento
Os cabelos se assanhavam
Eu perscrutava o horizonte
Ele me perguntava pelo tempo:
Acho que não chove hoje!
Ele olhava e acenava um não
Acho que hoje chove!
Era um tempo até vir chuva
O tempo de espargir o pulso
Cheirar o casaco puído
Enrolar o cigarro, fluir a fumaça
Leia alguma coisa: me pedia
Eu remexia os bolsos, aceitava
As palavras do guardanapo
A grafia do medo, do arrepio

“uma vez que você foi para o inferno
e voltou
é o bastante, é a
mais silenciosa celebração
conhecida”

Ele me perguntava pelo tempo:
Será que hoje chove?
Eu olhava o céu e esperava
Vinha um vento, outro vento
A puta da esquina se escondia
Parece que vinham lhe cobrar
O pedágio da sobrevivência
Uma vez eu fui ao inferno
E lá deixei meus farrapos
Nunca mais volto, nunca mais
Mesmo que não haja nada
Além de uns ratos assustados
Eu fui ao inferno; disse a ele.

Ele me perguntava pelo tempo:
Acho que hoje chove, sim!
A grafia do medo, os dedos rangem
Recolher os sinais, dobrar-se
Nem mesmo morrendo serei feliz:
Ele me disse, enquanto a chuva caía.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

1001 + 33 - Ensaio gris para súmula do tempo


Quero do poema o teu soluço
A perdida flor de um enlace
Ave desgarrada, altiplano
A saudação do crepúsculo
Morrer nu: verso e carne
Quero do poema a tua asa
A grafia fria de uma página
Um símbolo, um signo
Algo maior que o destino
Para que eu possa
Num átimo, numa porta
Riscar o itinerário da liberdade

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

1001 + 32 - Como saber de um corpo na palavra ausente


Eu te pedi num sonho
Quando era areia
No meu olho nu
E eu vestia naufrágios

Na paisagem sem fôlego
Luzia a palavra seiva
Para aspergir o fogo
Desta noite em tumulto

Uma vaga se estendia
Na ausência de mãos
E eu dormia ao relento
No desterro de mapas

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

1001 + 31 - Ensaio solícito para cavalo dócil


Quando eu morrer elevem
Meu corpo a uma nuvem
Que seja alheia, derradeira

De nenhuma maneira, pois
Pensem me atirar num poço
A vida me foi apenas esboço

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

1001 + 30 - Ária para cândido alimento e pasto sossegado


É preciso estar atento ao pássaro
Ao movimento das asas,
À plumagem, ao bico,
Não ao gorjeio, mas
Ao silêncio de ofício
Aquele momento ungido
Do pousar suavíssimo 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

1001 + 29 - Rondó para cegueira e embriaguez de flor rainha


Porque ficaram inteiros meus janeiros
Amanheço dezembros em um rondó
Com cavalinhos do Bandeira correndo
Eu mudo, tão sozinho, verniz marinho
E os cavalinhos correndo em liberdade
Senhor capitão, senhor capitão aflição
Não existe peso na doçura do silêncio
Não existe significado para a ausência
Amanheço dezembros em um rondó
Corcéis alados e os cavalos marinhos
A minha sorte pousou em passarinhos
Feito o carrossel que não para de girar
Soou todo o desalinho, vento, moinho
Voou uma cidade no impulso do punho
Senhor capitão, os cavalinhos correndo
Porque ficaram inteiros meus janeiros
Na noite sem nome, no lume, no gume