Ele me perguntava pelo tempo:
Será que hoje chove?
Olhava o céu, contemplava
Vinha um vento, outro vento
Os cabelos se assanhavam
Eu perscrutava o horizonte
Ele me perguntava pelo tempo:
Acho que não chove hoje!
Ele olhava e acenava um não
Acho que hoje chove!
Era um tempo até vir chuva
O tempo de espargir o pulso
Cheirar o casaco puído
Enrolar o cigarro, fluir a
fumaça
Leia alguma coisa: me pedia
Eu remexia os bolsos, aceitava
As palavras do guardanapo
A grafia do medo, do arrepio
“uma vez que você foi para o
inferno
e voltou
é o bastante, é a
mais silenciosa celebração
conhecida”
Ele me perguntava pelo tempo:
Será que hoje chove?
Eu olhava o céu e esperava
Vinha um vento, outro vento
A puta da esquina se escondia
Parece que vinham lhe cobrar
O pedágio da sobrevivência
Uma vez eu fui ao inferno
E lá deixei meus farrapos
Nunca mais volto, nunca mais
Mesmo que não haja nada
Além de uns ratos assustados
Eu fui ao inferno; disse a ele.
Ele me perguntava pelo tempo:
Acho que hoje chove, sim!
A grafia do medo, os dedos
rangem
Recolher os sinais, dobrar-se
Nem mesmo morrendo serei feliz:
Ele me disse, enquanto a chuva
caía.