quinta-feira, 29 de novembro de 2012

1001 + 28 - Fragmentos de uma viagem para escapar do inferno (ou lendo Bukowski ao som de black-bird)


p/ Marcelo Novaes

eu também sou louco
meu pássaro azul
me adornam pedras
e palavras
não faço esforço
para o útil
rumino uns nadas
dou vistas às cores
encanta-me o triste
aquilo que cintila
esgrimo florescência
habito a casa púrpura
a solidão dos párias
meu melhor poema
jaz no mimeógrafo
não tenho motivos
vivo ecoando o oco
meu pássaro azul
não sei a que horas
se fornica em berlim
há versos pendurados
em meus calcanhares
mas não sei o destino
que posso dar-lhes
os belos já morreram
rimbaud, janis, dean
as borboletas bailam
nas cicatrizes da pele
estou velho para
a impossibilidade e
uma trilha para seguir
mas observo seios
desejo pernas e lábios
onde jamais estive
meu pássaro azul
será que o silêncio
exala sempre poesia?

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

1001 + 27 - Suíte para prenderes a respiração enquanto sorris


Em dias como este
Teus lilases rugem
Enquanto as nuvens
Sonham distraídas

Em dias como este
Meus olhos ardem
Enquanto as luzes
Bailam sonolentas

Em dias como este
Inauguro vontades
Enquanto o coração
Fotografa teu átimo

Em dias como este
Nada mais avulta
Enquanto esta ruína
Atordoa os pulsos

terça-feira, 27 de novembro de 2012

1001 - 26 - Poema para águas nuas, cais anoitecido e o lume da brancura


Onde estavas tu que não vinhas
Em que nuvem pairava teu passo
Em que flecha, em que alvo
Soprava o dardo, ardia o cardo

Não foste tu o incêndio, não foste
Era antes líquido, o céu queimava
Vieram corcéis ou cavalos marinhos
Vieram tão atônitos em tempestade

Laminas rupestres no sol da tarde
A fúria destroçada dos espelhos
A queimadura de areia e agulhas
Em véspera de infatigável espera

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

1001 + 25 - Litania para inventar rios, rosas e orvalho




Estavas tão transparente em teu riso
Oblíquo fulgor em simetria
Com as sílabas plasmando os lábios
Em simples triunfo do sossego
Numa leveza de pássaro em canto
Que eu pensei no súbito da alegria
Na invasão do silêncio sob a água
No instigante afogamento da luz
Na urgência das coisas a respirar-te

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

1001 + 24 - Ária desconexa para zepelim e olhos distraídos


para a poetinha Daniela Delias que tem na memória um zepelim


Se tu viesses feito encanto
Leite derramado
sol em pranto
Rima ou rímel
anel ou brinco

eu te veria veia à mostra
astrolábio, solilóquio
asa de bem-te-vi
helianto em espanto
vestida em gris





sábado, 17 de novembro de 2012

1001 + 23 - Ensaio sobre a essência da carne e o aroma dos sentidos


Porque o amor é sangue
Vísceras,
Corpos pusilânimes
Outrora nunca saciado

Porque o amor é dúvida
Dívida de carne
Recorte de um seio
Morte de um veio

Porque o amor é cessação
vulto na espreita
volta sem correspondência
ausência, ausência, ausência

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

1001 + 22 - canção de gesta para o apocalipse do vento


o poema se deita sobre a imensidão
há todo um abismo à espera
para o breve estilhaçar dos olhos

assim sob a pálpebra da vertigem
convenço-me de que sou apenas pele
limo, visgo do que me sopra a palavra

enquanto se repartem os grãos do caos
assisto ao êxodo silente dos axiomas
no incessante e pueril cortejo dos gestos 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

terça-feira, 6 de novembro de 2012

1001 + 21 - Um breve registro para a incompletude das nuvens


No céu azulado venta apenas
Nenhuma palavra me aceita
Sujeito ermo, a coser vazios

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

1001 + 20 - canto para Rimbaud numa estação do inferno


procura-me entre tuas chagas
no teu canto mais desavisado
na memória do coito impreciso
nestas tuas unhas de vermelho
que suspiram sangue e moléstia

procura-me, talvez, nos becos
na boca escancarada de tédio
nos olhos solitários da virgem
que oferece um sexo inaugural
como esta rua de chuva e lama
como atônito jardim sem função

procura-me nas vestes últimas
de tecido puído a se desintegrar
na pele desgastada de inventos
de tanta língua, ranhura e vento

procura-me na sombra do porém
na circunstância deste assombro
o despertar de nuvem sem aurora
no cálido, no pálido, no esquálido

procura-me e intenta-me no rasgo
no corte, na víscera que se expõe
tal qual esta algazarra sem vozes
na tormenta, na procela, mergulho
procura-me devagar que já escuto