segunda-feira, 30 de novembro de 2009

49 - Poema tipo on the road

Não quero ser poeira na tua estrada
Nem ficção a ser editada no coração
Quero tambores de negros sabores
Untar-me em peles de vários odores

Atar-me a mais caudalosa corrente
Ser o veneno de uma sábia serpente
Forjar o urso do meu próprio abraço
Calcificar a dor na vertigem do ocaso

- viver o inferno do inverso que me tornei

domingo, 29 de novembro de 2009

48 - Madrigal de infantes

Era a intriga da espera
Que afligia os sentidos
Vazavam tolos medos
Embebidos em segredo

Era a intriga da espera
Que desprendia o desejo
Feito o calor da maresia
Farto parto: coito e poesia

sábado, 28 de novembro de 2009

47 - Canto de Krishna

Do raso celestial se fez o canto
Uníssono em estrelas abismadas

Eu assisto à criação em claridade
em flor de espada transcendental
Até vir nascer o rouxinol em mim

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

46 - Ode singular (outra variação)

Incrédulo eu bebo a vertigem do teu sexo
Que paralisa o veneno do meu tédio diário

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

45 - poema de mea culpa

teimo em reler proust
entre madeleines,
chás e ambrosias

temo reler proust
- paraíso perdido
apocalipse do agora

e não consigo tirar
o ranço nordestino
no malfadado francês

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

44 - poema de repetição

sou ainda cativo de teu fino pasto
como se fosse aleivosia do destino

como se pudesse pastorear silêncios
eternizando girassóis no meu desejo

terça-feira, 24 de novembro de 2009

43 - ode singular (variação)

ando distante da tua saudade
escondendo-me entre espelhos
pois quero ter variadas faces
para iluminar cada orgasmo teu

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

42 - ode singular

Sou o eu de todo um dia teu
Ilustre vício da tua iluminação

domingo, 22 de novembro de 2009

41 - Poema de outra linhagem

O essencial do verbo é a palavra
- bebe em si seu único mistério -
Morre só se não for pronunciada
Mesmo por esta caligrafia do nada

sábado, 21 de novembro de 2009

40 - Pingo nos ismos

Quero acabar de vez com eufemismos
Nada de condensou-se o bravio do rosto
Recuso-me ao poema sem farta ousadia
Antes prefiro a saia justa de uma revoada

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

39 - poema para Borges e o infinito

flui o caudoloso rio
de Borges e Heráclito
flui metáfora do tempo

flui água que me banha
deixa-me apenas o punhal
dessas horas pontiagudas

em que sou o espelho roto
conduzindo no dorso a agonia

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

38 - Este amor querendo (ser) o sol

Por seres a maior estrela
Dessa galáxia via láctea
Quero o deleite do brilho
Mais intenso e cristalino
- efeméride de luz assolar
o plúmbeo peito da dor -

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

37 - poema de contemplação

o infinito não caberia neste minuto
- teu sorriso sorvia a seiva do dia -

terça-feira, 17 de novembro de 2009

36 - acontecimento

quero pertencer a gleba dos desavisados
dos que se exaurem no tempo sem palavra
dos completamente desvalidos de memória
assim teria tempo de mastigar teu hálito
e ser feliz como o sopro dessa aquarela

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

35 - mosaico repentino

Guardei as intempéries do teu corpo
Neste resto de fôlego que me sopras

domingo, 15 de novembro de 2009

34 - um canto, um blues, um soul

Deixa-me envergar esta face desgastada
E remover em segredo gestos e afagos

Cobrir a imperiosa tempestade dos relógios
E afligir o silêncio que se conforma em tédio

sábado, 14 de novembro de 2009

33 - madrigal de amantes

inspirado em poema da Nina Rizzi

quando finda o tempo de nós dois
dez mil sóis se ninam em orgasmo
fecundam perguntas sem respostas
fica esse visgo na pele do teu pasto

quando finda o tempo de nós dois
formam laços agridoces na solidão
o céu desaba jasmins domesticados
e tudo plasma o espanto do agora

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

32 - madrigal gitano

Minha senhora de longas tranças
Que sortilégios trazem tua canga
Quantos enfeites, quantos açoites
a pedir abrigo no ventre da noite

Minha senhora de longas tranças
quanto silêncio entoas o teu canto
quanto mistério cruzas nos braços
que fazem alvorecer os teus lábios

Minha senhora de longas tranças
Que infindável lua teces prisioneira
Alimentando de orgias as paragens
Do reticente mar que vazas no peito

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

31 - poema de favorecimento

enlouqueço a cada acorde do teu olhar
seja aceito, seja açoite, seja noite,
seja assim o que for ou o que não há

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

30 - a uma dádiva do olhar

quero consumir ainda a aurora
vê-la escorrer em lábios
vê-la translúcida em raios

enquanto o mar suga o instante
impreciso do encontro na areia

terça-feira, 10 de novembro de 2009

29 - improviso em si, em fuga

a angústia desses passos
vaga insone na madrugada
feito a solidão de um verso

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

28 - poema de quase inspiração

Deixai-me com meus vocábulos moucos
nesta clareira de gestos e máculas
pois vejo a fécula febril a fecundar
na sofreguidão, teus vaticínios roucos

domingo, 8 de novembro de 2009

27 - poema para sempre-vivas no primeiro raio da manhã

dentre tantos entretantos
foram horas se passando
eu tonto em meus devaneios
e a impassível luz em teu seio

sábado, 7 de novembro de 2009

26 - em outrora, quando havia

na disparada da ladeira
cresceu o vento nas pernas
subiu um redemoinho
e já se foi eu menino
saboreando mangas e manjar

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

25 - poema que li em qualquer lugar

perdeu-se o bonde de ir embora
faíscas do tempo criam raizes
a pele aplaca o metal da dissídia
e somos para sempre felizes
como nesta foto da escrivaninha

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

24 - uma historinha

de quando em vez
há solidão demais
à minha volta

de quando em vez
permito o tumulto
deste silêncio tosco

de quando em vez
dou espaço ao espanto
como agora

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

23 - canção de enganar o vento II

eu bem te disse que havia desvios
e nem todo caminho leva ou conduz
que as flores na ribanceira pendem
se ruflam e se riem daquele abismo

eu bem te disse pequenas verdades
tolas todas em formato de petiscos
embrulhadas em papel fino e barato
feito sortilégios de alguma cigana

eu bem te disse e fiz disso oferenda
como esse corpo vazio que se esquece
esse destino sem rotas, sem bússola
o tropego desafio de querer resistir

eu te disse quase tudo que já sabias
e lancei ancora neste terno desterro
valseando em velas e quilhas e portos
sendo relâmpago inútil do que é pouco

terça-feira, 3 de novembro de 2009

22 - canção de enganar o vento

o teu corpo acena reentrancias
que empalidecem a alma ingenua
onde brotam designios e olores
que te deixam flor se tu fores

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

21 - Manual de sobrevivência para insetos e afins

A terra revolvida
O areal da memória
Os restos e a escória

domingo, 1 de novembro de 2009

20 - Poema das perdidas ilusões

naquele centro
havia o cetro
e que toda a sua
realeza emanava

eu ficava
feito o vento
que sobre o
encantamento
pairava