sábado, 23 de março de 2013

1001 + 56 - sonata para um quase outono


adorna-me uma tarde, o silêncio, um carmim
os olhos distantes de tudo, o peita singra
como num poema de Neruda sinto-me ilha

quarta-feira, 20 de março de 2013

1001 + 55 - Ensaio para o que caminha em mim


Cingir céu, nuvens
Abarcar como rio
Adornar flor, chão
Coroar como rosa

Atar ermo, fontes
Abraçar como luzir
Ligar montes, astros
Cercar como farol

Ladear riso, áspero
Enredar como gesto
Rodear rota, espelho
Abranger como cimo

segunda-feira, 18 de março de 2013

1001 + 54 - Modelos para armar o outro, o mesmo


Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
Assomam tigres, punhais
Mascúspias e amarelinhas

Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
Uma casa tomada, relatos
Uma rosa profunda, ficções

Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
O ouro, a areia, inquisições
Cronópios, famas, territórios

Entre o labirinto de Borges
E o bestiário de Cortázar
O elogio da sombra, a cifra
Todos os fogos, último round

quinta-feira, 14 de março de 2013

1001 + 53 - sonata para cravo e baixo contínuo


nenhuma palavra cálida
nem alma ávida
nenhum corpo dádiva

nenhuma rima impávida
nem lágrima grávida
nenhuma asa válida

segunda-feira, 11 de março de 2013

1001 + 52 - Ensaio sobre a inveja dos pássaros


meu sonho era ser passarinho
não que eu quisesse voar
ou cantar bonito
a mim me bastaria
a suavidade de um pouso

sexta-feira, 8 de março de 2013

1001 + 51 - ensaio sobre os destroços da linguagem


Rimbaud desistiu de escrever aos 20 anos
Goethe tinha o hábito de escrever em pé
Drummond gostava de picotar papel e tecido
Maiakovski sofria de transtorno de limpeza
Hemingway deu um tiro na própria cabeça
Neruda tinha a mania de colecionar insetos
Kafka só dormia com as janelas abertas
Mark Twain fumava desde os oito anos
Guimarães quase desmaiava ao ver sangue
Poe tinha aulas de matemática no cemitério
Tolstói aprendeu o esperanto em três horas
Luis Vaz de Camões era cego do olho direito
João Cabral e Jorge L. Borges ficaram cegos
Nunca se soube qual era o pé torto de Byron
Fernando Pessoa vaticinou em última frase:
"Eu não sei o que o amanhã trará"

segunda-feira, 4 de março de 2013

1001 + 50 - Ensaio sagaz para gumes delgados


Da faca em sol
Cortou-me
Na pele, o sal

Da lâmina em mar
Rasgou-me
Em fio, o vento

Ando pois vulnerável
Ulcerado na palavra
Atravessado de punhais

Do meu pálido tecido
De sílabas orvalhadas
Este incêndio de espadas

sexta-feira, 1 de março de 2013

1001 + 49 - fragmento ctônico para górgonas


não me cobre o olhar:
da trança de medusa
- prefiro ser pente