Puseram-se em folguedo as sílabas em estranho fogo-fátuo
E corriam-me vocábulos pela iridescente poesia da tua mão
Quem sou eu pelos teus caminhos de tão insana correnteza
Quem és tu a inflamar desejo e por tumulto em casta nuvem
Há ainda luz a ser consumida nesta babel de tanto equívoco
Alvoroço na alcova clamando em nudez corpos sempiternos
No desassossego deste horizonte que se rabisca em escarcéu
Na sina do poema que há de ficar cativo ao ermo da página
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
413 - improviso para luzes e nascimentos
estávamos entre quedas e abraços
como um morno rio de promessas
eu abria minhas mãos a cada passo
e reencontrava signos em tuas flores
havia tanto espaço em nós apertados
que avultavam ramos em nossa árvore
escorriam as sedes das muitas veias
as línguas se entrelaçavam em olfato
do destino das manhãs ao lento ofício
de janelas que fazem o ar perpetuar-se
éramos os cristais prestes ao estilhaço
areia fina a espera de pés e novidades
como um morno rio de promessas
eu abria minhas mãos a cada passo
e reencontrava signos em tuas flores
havia tanto espaço em nós apertados
que avultavam ramos em nossa árvore
escorriam as sedes das muitas veias
as línguas se entrelaçavam em olfato
do destino das manhãs ao lento ofício
de janelas que fazem o ar perpetuar-se
éramos os cristais prestes ao estilhaço
areia fina a espera de pés e novidades
domingo, 28 de novembro de 2010
412 - Último poema para desterro e estrada
És ainda o engano da maçã
Moça turva de árida nuvem
Que ansiei em doce acolhida
És ainda trem em descarrilo
Estação sem pouso e parada
Inútil degelo em meu inferno
És ainda fugídia das sombras
Pastora do cio na madrugada
Dente que morde o calcanhar
Moça turva de árida nuvem
Que ansiei em doce acolhida
És ainda trem em descarrilo
Estação sem pouso e parada
Inútil degelo em meu inferno
És ainda fugídia das sombras
Pastora do cio na madrugada
Dente que morde o calcanhar
sábado, 27 de novembro de 2010
411 - Poema para ílio, ísquio e púbis
Penso ascender em sinais pélvicos
De toda a lira que delira na virilha
Escorrer-te em sumo destes versos
Penso a tua casta senhoria de flora
Deslizando o rouco trovão na pele
Do incendio no fino cristal da mata
De toda a lira que delira na virilha
Escorrer-te em sumo destes versos
Penso a tua casta senhoria de flora
Deslizando o rouco trovão na pele
Do incendio no fino cristal da mata
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
410 - Diálogo para contemplar um fim de tarde
p/ Pedro Ramúcio
Tragam-me dois ou três fardos de existencia
Para que os girassóis poetizem a ordem do dia
Que o mundo já não se cabe em dessemelhança
Eu mesmo, que ando torto em véspera de olhar,
Principio a me perder na sinuosidade do vento
Outro dia um amigo disse que andava em sustos
Temia a retidão das pedras e vivia a por adornos
Repliquei que assim é o descompasso da estrada
As coisas se decompõem antes da sua completude
Só passarinhos cantam eternos em sumiço de laço
Tragam-me dois ou três fardos de existencia
Para que os girassóis poetizem a ordem do dia
Que o mundo já não se cabe em dessemelhança
Eu mesmo, que ando torto em véspera de olhar,
Principio a me perder na sinuosidade do vento
Outro dia um amigo disse que andava em sustos
Temia a retidão das pedras e vivia a por adornos
Repliquei que assim é o descompasso da estrada
As coisas se decompõem antes da sua completude
Só passarinhos cantam eternos em sumiço de laço
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
409 - Improviso para viola de casco de tartaruga
Ouço no pretérito meu coração em tuas mãos empoeirado
Resvala-me de cílios para cobrir as nossas tempestades
Põe cordas e açoite nessa prece que invoca a madrugada
Se nada em ti faz sentido açoda-me o vento nas virilhas
Dá-me o desterro de tua voz tão antiga quanto um blues
Pois estou sem alma alvoroçado nesta torpe encruzilhada
Resvala-me de cílios para cobrir as nossas tempestades
Põe cordas e açoite nessa prece que invoca a madrugada
Se nada em ti faz sentido açoda-me o vento nas virilhas
Dá-me o desterro de tua voz tão antiga quanto um blues
Pois estou sem alma alvoroçado nesta torpe encruzilhada
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
408 - poema sobre sopa de cavalo cansado *
quando vem a madrugada vento-me
no rodopio sinuoso das mariposas
prestes a perder os olhos diáfanos
cada canção reflete um autorretrato
e eu decomponho meticulosamente
arestas do nosso silencio de almas
enquanto houver calçada inclino-me
e cada gesto sob a opaca iluminação
será teu presságio a desencantar-me
*sopa de cavalo cansado é uma canção do dead combo
no rodopio sinuoso das mariposas
prestes a perder os olhos diáfanos
cada canção reflete um autorretrato
e eu decomponho meticulosamente
arestas do nosso silencio de almas
enquanto houver calçada inclino-me
e cada gesto sob a opaca iluminação
será teu presságio a desencantar-me
*sopa de cavalo cansado é uma canção do dead combo
terça-feira, 23 de novembro de 2010
407 - anti-poema para duas ou três saudades
antes do lajedo havia uma pedra
circunstanciada nos mistérios
de tanto passar o ar: arrevesou
eu sempre fui menino indolente
e gostava de ver as meninas
tomando descompostura do vento
cada saia subida o alumbramento
de ficar tonto com as querências
às vezes molejava o corpo há dias
na beira de rio havia limo nos pés
se mergulhava de mão em concha
pra colher visgo na pele das piabas
caçoar da sorte era fingir de te olhar
porque eras como pedra arrevesada
sempre em circunstancia de mistério
circunstanciada nos mistérios
de tanto passar o ar: arrevesou
eu sempre fui menino indolente
e gostava de ver as meninas
tomando descompostura do vento
cada saia subida o alumbramento
de ficar tonto com as querências
às vezes molejava o corpo há dias
na beira de rio havia limo nos pés
se mergulhava de mão em concha
pra colher visgo na pele das piabas
caçoar da sorte era fingir de te olhar
porque eras como pedra arrevesada
sempre em circunstancia de mistério
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
406 - elegia breve e assustada
investigo estrelas em busca de uma morada
desde que a espada decepou a palavra
venho morrer mais um pouco em tua língua
desde que a espada decepou a palavra
venho morrer mais um pouco em tua língua
domingo, 21 de novembro de 2010
405 - elegia rude para cactos e punhais
já se foram os corcéis e os medos
em contínuas viagens de solidão
ouço procul harum, revisito poemas
na galeria de fotos inscrevi teu gesto
aquele derradeiro vindo do calcanhar
como flecha certeira em descaminho
se existem prelúdios intermináveis
ouso compor ainda o mais extenso
em que a rota no deserto se bifurque
entre casa cálida e avenida em verão
na seta dos girassóis mais intensos
avermelhados de todos os abóboras
percorri com dor margens dos rios
na maresia de crustáceo naufragado
fiz imagens de tolas reminiscências
habitei por instantes o aquário vazio
busquei o íntimo das águas e peixes
fui companheiro de algas e arrebóis
por isso te digo com calma e ternura
que não há ventania neste meu olhar
que não há desejo na pele que restou
apenas cumpro a sina do improvável
a terna rotina do peregrino da sombra
a esgrimir atônito com palavras e sons
em contínuas viagens de solidão
ouço procul harum, revisito poemas
na galeria de fotos inscrevi teu gesto
aquele derradeiro vindo do calcanhar
como flecha certeira em descaminho
se existem prelúdios intermináveis
ouso compor ainda o mais extenso
em que a rota no deserto se bifurque
entre casa cálida e avenida em verão
na seta dos girassóis mais intensos
avermelhados de todos os abóboras
percorri com dor margens dos rios
na maresia de crustáceo naufragado
fiz imagens de tolas reminiscências
habitei por instantes o aquário vazio
busquei o íntimo das águas e peixes
fui companheiro de algas e arrebóis
por isso te digo com calma e ternura
que não há ventania neste meu olhar
que não há desejo na pele que restou
apenas cumpro a sina do improvável
a terna rotina do peregrino da sombra
a esgrimir atônito com palavras e sons
sábado, 20 de novembro de 2010
404 - Poema para depois do profiterole
Tudo que faço vem morrer em ti
- Liquefeito, vaporizado
Até que me tragas a escova de dentes
E o sorriso pasteurizado da modelo
Desperte-me para a constatação:
Faço poemas porque cansei de dançar
- Liquefeito, vaporizado
Até que me tragas a escova de dentes
E o sorriso pasteurizado da modelo
Desperte-me para a constatação:
Faço poemas porque cansei de dançar
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
403 - poema para nuvem e casca de árvore II
às vezes um solo me habita
escorre-me o sumo nos pés
cresce em mim feito árvore
e eu fico todo ao seu feitio
ave de barro, estrela dӇgua
no viés de ponto e margem
escorre-me o sumo nos pés
cresce em mim feito árvore
e eu fico todo ao seu feitio
ave de barro, estrela dӇgua
no viés de ponto e margem
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
402 - poema para nuvem e casca de árvore
a espera do verso definha a palavra
que campeia o vento em redemoinho
como o louva-deus se anuncia lorde
a efêmera silhueta de mais uma morte
que campeia o vento em redemoinho
como o louva-deus se anuncia lorde
a efêmera silhueta de mais uma morte
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
401 - Concerto de súbita despedida
Depois de mim ela se foi deitar com o imprevisivel
Que vinha repleto de estio em todos outros suores
Depois de mim ela se foi a apascentar suas nuvens
Orvalhando de sexo e jasmim a insone madrugada
Depois de mim ela se foi como as estrelas e as marés
Com súbitos brilhos e a sede de vagas que se estende
Como a plataforma sobre o nada a iluminar um vazio
Que vinha repleto de estio em todos outros suores
Depois de mim ela se foi a apascentar suas nuvens
Orvalhando de sexo e jasmim a insone madrugada
Depois de mim ela se foi como as estrelas e as marés
Com súbitos brilhos e a sede de vagas que se estende
Como a plataforma sobre o nada a iluminar um vazio
terça-feira, 16 de novembro de 2010
400 - Para um quadro de Dali ou Magritte
Pareciam de sonho as borboletas diáfanas
Avis rara de lábios voadores
A espalhar delírios no jardim orgasmático
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
399 - papo de jazz e blues em oitavas intercaladas
era coisa de maior importância a iluminação do verso
parecia ornamentado de cometas e estrelas radiantes
domingo, 14 de novembro de 2010
398 - cantata de estranha magnitude
Quisera eu a estrela iridescente
e entre afins e dessemelhantes
deixar-me ao sabor do ambíguo
Quisera eu palavras em jorros mil
Ser diferença em diferentes ares
No desarranjo desse céu de anil
e entre afins e dessemelhantes
deixar-me ao sabor do ambíguo
Quisera eu palavras em jorros mil
Ser diferença em diferentes ares
No desarranjo desse céu de anil
sábado, 13 de novembro de 2010
397 - Pequena ode para o que não nos cabe
De onde te quero somos irmãos de pele
Não há noite a crescer o ontem infinito
A cor tem cheiro de asas em movimento
Nuvens informam o sussurro da chuva
De onde te quero vazam as muitas sedes
O gozo nos vem em turbilhões de idades
Trespassam-nos as espadas de coito e cio
Escorrem vórtices de leito e lenta agonia
Não há noite a crescer o ontem infinito
A cor tem cheiro de asas em movimento
Nuvens informam o sussurro da chuva
De onde te quero vazam as muitas sedes
O gozo nos vem em turbilhões de idades
Trespassam-nos as espadas de coito e cio
Escorrem vórtices de leito e lenta agonia
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
396 - Improviso sobre aquele disco que limei
Dôo-me ao teu gesto
Infatigável caminhar
Não preencho preâmbulos
Não consulto vide bula
Vivo do fastio de sons
Do não conhecimento
Imutável à ordem das coisas
Sobre todas as prescrições
Desperto e desesperado no já
Atento à fadiga do agora
Lâmina atônita e cega
Mordo, sangro e me extravio
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
394 - Balada de um Édipo em formação
Se antes eras a esfinge
Na fria condição de espera
- Vinde e me decifra –
Hoje assomas ares de nuvem
Que paira acima, bem acima
E nenhum verbo te alcança
Na fria condição de espera
- Vinde e me decifra –
Hoje assomas ares de nuvem
Que paira acima, bem acima
E nenhum verbo te alcança
terça-feira, 9 de novembro de 2010
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
392 - Uma balada para o mistério dos dons
Tantos os que se foram
Que dobraram a curva do tempo
Por quem já houve tumulto e silencio
Cujas bocas celebraram palavras e instantes
Cujas mãos empreenderam a jorro da criação
Agora esquecidos nas terras do sem fim
Agora engendrados na lama de cal e ossos
Agora solitários como este desencanto
Que atravessa os umbrais e se fixa sumarento
domingo, 7 de novembro de 2010
391 - Alegoria para desenredo e anjos decaídos
Nada detém o musgo nas paredes
Vai se infiltrando de repente
E fica ali com jeito de desavisado
Chamando a atenção dos olhos
Então um dia a gente acorda
E tem que providenciar a limpeza
Com calma lixa-se e põe-se tinta
Depois de pronto os olhos fixos
Voltam-se arredios e prestativos
A mirar o novo ponto reluzente
- Não sei para que tanta metáfora
Se o que sei é que continuas aqui
Forjando as agonias no meu peito -
Vai se infiltrando de repente
E fica ali com jeito de desavisado
Chamando a atenção dos olhos
Então um dia a gente acorda
E tem que providenciar a limpeza
Com calma lixa-se e põe-se tinta
Depois de pronto os olhos fixos
Voltam-se arredios e prestativos
A mirar o novo ponto reluzente
- Não sei para que tanta metáfora
Se o que sei é que continuas aqui
Forjando as agonias no meu peito -
sábado, 6 de novembro de 2010
390 - peça para orquestra sem música *
Ravel preferia o piano solo ao bolero
Graciliano antes preferia Homero
João Cabral preferia pedra e punhal
Hermeto preferia o som sem conceito
Da noite arrumo as nuvens em cinza
Participo com Leminski um devaneio
Peço emprestado sopro do Torquato
Nada mais imprevisível que o ocaso
* era assim que Ravel se referia ao Bolero
Graciliano antes preferia Homero
João Cabral preferia pedra e punhal
Hermeto preferia o som sem conceito
Da noite arrumo as nuvens em cinza
Participo com Leminski um devaneio
Peço emprestado sopro do Torquato
Nada mais imprevisível que o ocaso
* era assim que Ravel se referia ao Bolero
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
389 - desconcerto para pele e sopros
almejo as torres mais altas
a íngreme escada do céu
em tão delicada curvatura
desses teus seios em taça
a oferecer-se em sutil ária
no canto silente da língua
a íngreme escada do céu
em tão delicada curvatura
desses teus seios em taça
a oferecer-se em sutil ária
no canto silente da língua
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
388 - concerto pleno para voz e um instrumento
vivo à margem do impossível
quero dos senhores dores
mar de águas intragáveis
nada sei do improvável dia
comungo o absurdo na veia
das musas sorrisos e brisas
delas retirei o farol do olhar
antes do vazio vir sigo cego
com a mão colada ao bolso
o verso amarrotado é a senha
quero dos senhores dores
mar de águas intragáveis
nada sei do improvável dia
comungo o absurdo na veia
das musas sorrisos e brisas
delas retirei o farol do olhar
antes do vazio vir sigo cego
com a mão colada ao bolso
o verso amarrotado é a senha
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
387 - primeiras aulas de geometria
ela chegava com a noite e debruçava-se
sobre o teorema de Pitágoras
eu só tinha olhos para hipóteses nuas
terça-feira, 2 de novembro de 2010
386 - Concerto solitário para um quase despertar
Sorvo de um só gole o ofício das manhãs
O voo solene dos lepidópteros que incitam
Asas e cio por sobre a cidade agonizante
Sorvo de um só gole o ofício das manhãs
A balbúrdia dos automóveis ensandecidos
A crescente sinfonia que ensurdece cores
Sorvo de um só gole o ofício das manhãs
E só me deixo ao regalo recato do lençol
Assombrando a nudez amarela da parede
O voo solene dos lepidópteros que incitam
Asas e cio por sobre a cidade agonizante
Sorvo de um só gole o ofício das manhãs
A balbúrdia dos automóveis ensandecidos
A crescente sinfonia que ensurdece cores
Sorvo de um só gole o ofício das manhãs
E só me deixo ao regalo recato do lençol
Assombrando a nudez amarela da parede
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
385 - improviso para maçãs e violas graves
quando o céu se foi embora
fitei teus lábios no horizonte
manchados vermelhos rubra
a face de terna despedida
fitei teus lábios no horizonte
manchados vermelhos rubra
a face de terna despedida
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