segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

480 - Poema de espairecimento e futuro refrigério

faze dos meus destroços cimento úmido
aplaina, nivela com ele muros e campanários
assim alguém poderá rabiscar-me sem eu sentir
pois cortam as letras tão cheias de espinhos
que me escrevinham sem pena sob a pele

domingo, 30 de janeiro de 2011

479 - canto de espera por ramos e frutos

falta descrever a essência da árvore
na pele impúbere do teu umbigo
ser caligrafia em teu ventre
doar saliva e suor à tua língua

sábado, 29 de janeiro de 2011

478 - o passado é um prólogo de imprevistos

hoje me deu na telha contar infortúnios
ah, vocês dirão: mas que cantilena repetida
eu advirto que não, hoje são mais graciosos
virão revestidos da inocência de dois anjos
sim, porque hoje encontrei-me com eles
tão puros, e me pediram que lhes contasse
os meus mais íntimos infortúnios
talvez, pudessem aquiescer alguma mínima
salvação para os augúrios da tormenta
e é sob a lira dos imaculados que
atiço-me neste redemoinho de recordações
contei para eles as travessuras de menino
e apenas sorriram dizendo que não era nada
então questionei sobre as marcas indeléveis
voltaram a sorrir com seus dentes alvos
amores: me disseram que eram muito comuns
trivialidades que não amaldiçoam alma nenhuma
sussurrei a frase dita naquela data imprecisa
e percebi o desconcerto, alegaram pressa
outros compromissos inadiáveis e me deixaram
hoje me deu na telha cantar infortúnios

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

477 - poema para redemoinhos n’alma

Ainda não aprendi domar os corcéis
Que tu instalas nas palavras
Calcei botas, empunhei alamares
Mas só me fica o raio ensandecido
Deste verbo que teimo conjugar

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

476 - arrisco em duas versões

I
com ou sem risco, ser cidadão
com ou sem risco, verso arisco

II
quando há risco
arrisco
o amor arisco


***
Outras versões

...
Risco no chão
Outra versão
Sem aversão
...
Ingrid disse...
riscando o arisco nas tuas palavras..
Arrisco:
Ainda que
Arisco
Transcendo
O risco
Fictício
Traçado
No chão
[ Tordesilhas
Entre o sim
E
O não ]
Lívia Azzi disse...
Sempre quando há risco
o amor é arisco!
LauraAlberto disse...
um risco de giz para nos separar de nós mesmos?
um risco de tinta para nos aproximar de nós mesmos?

é um risco, riscar assim!
Oria Allyahan disse...
Arrisque ariscamente; arisque arriscadamente...
Risco palavras
arrisco poemas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

475 - canção da noite que verti o verbo do infinito

vivi para atiçar os folguedos da bonequinha
para derramar escaramuças na lua líquida
fazer redemoinho em busca da língua nua
tudo isso vivi para o anseio da bonequinha
que era tão bailarina trôpega no cachecol
com seu destino aziago de artista plebeia
que pintava estalos em cambraias e sedas
e se enfeitiçava de versos toda quinta-feira
ela era dia vívido para atiçar alumbramento
a bonequinha que se vestia como mary lyn
esperando a ventania de todas as ocasiões
um dia cantou happy birthay para o cais
nunca mais atracadouro, se pôs a caminho
com seus olhos azuis que vivi para atiçar

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

474 - a quem se oferecer possa

ao menos convoco a legião de sombras para o baile
e assim rumamos noite e madrugada sem enleio
alimentando-nos de silhuetas

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

473 - tocata l’après-midi (com variação para cello)

tem dias em que perco meus olhos
e percorro desesperado a ausência
tudo melindra ante a escuridão
os passos se assustam em saltos
fico eu e minhas mãos tateando
sobras e equivalências, exaurindo
vestígios sob o infinito que arde
e se descolore sem forma ou matiz

domingo, 23 de janeiro de 2011

472 - outro ensaio sobre a astúcia mineral

acentuo-me ao desuso de libar
por ora nada quero desses teus
pode vir a invernada e os rigores
contento-me ávido de pedra-pomes

sábado, 22 de janeiro de 2011

471 - poema esquivo para contralto e baixo

ainda não sei de que distancia
ressoavam as sílabas da ausência
mas o espaço contaminado
era um plural de imensa solidão

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

470 - primeiro ensaio sobre a astúcia mineral

quem disse que pedras não ideiam
agora mesmo vi uma esquecida em devaneios
e do seu labor de realeza escorria o limo verde

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

469 - poema para uma invernada de anelos

caíam-me em manto os auspícios
até os seios florirem e
fazer norte em todos os sentidos
e nossos passos se juntarem em trovoadas

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

468 - vivre sa vie

era tu que vinhas ou
eu que sempre ficava
prélio não se decidia
diz se ia, dir-se-ia

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

467 - sonata, perfume e piazzola

quem sabe dançar o tango
na desmedida das horas
ou esperar o silencio
como atestado de óbito

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

466 - poema de algumas faces

eu ia s’imbora pra não encontrar consigo
eu ia, embora, pra não encontrar:
consigo

domingo, 16 de janeiro de 2011

465 - quando lágrimas atravessaram os olhos e ainda não era madrugada

eu percebi o silencio nas pernas
o atroz enigma do cansaço
a rústica floração de lilases
e um blues a vingar na noite
que apenas era encruzilhada

sábado, 15 de janeiro de 2011

464 - poema para quando eu estiver cansado

há um inferno nesses teus lábios
que umedecem e queimam
pálpebras e solidão

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

463 - sob o desígnio da mais clara estrela

sou eu ateu e deserto
neste oásis de versos
sol em mares e pares
larvas que me lavras
sou eu e o teu invento
me vem ventos e areia
frágil nebulosa no olho
vasto lençol e rude laço

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

462 - sobre uns definitivos: plenamente

p/Lelena *

talvez seja esse redemoinho,
essa incessante partilha de sons,
esses frágeis caminhos,
essa sinuosidade de olhares,
quem sabe a dádiva de lábios,
esse estar em uma distancia alegre,
esse horizonte que é límpida perdição,
talvez sejam os eflúvios espumantes
ou espumas flutuantes

*poema a partir de um comentário em Definitivamentes no Bipede Falante

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

461 - loas para uma cantata de Elomar

não é distante de ver
do desconforto da estrada
o resto de cinza da imagem
mausoléu ao mundaréu
aquele trecho das ingás
vento comeu, murchou
marca de pena da terra
nunca mais foi de vingar
resta o consolo da virgem
no precipício das preces
azulão devolve-me o garbo
leva-me o arredio aziago

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

460 - canção de mesa, sala e corredor

tudo desistiu de funcionar
até os anjos pediram licença
parece que só eu fiquei preso
no visgo de tanta melancolia
- eu sou aquele que disse -
com o inferno nos olhos e
a caricatura de todas romãs
fruta que determina auroras
pois brilha infinda tua mão
e há teu regaço que aquece
meus olhos, meus silêncios
minhas oblíquas incoerências

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

459 - sobre a sonata número um de Bártok

espera-me em ofertas que não tenho
o mundo é vasto como disse o poeta
há poeira nas oferendas da estrada
então não me espera, eu nada tenho
daqueles vendavais sobraram brisas
o tempo é circunstancia dos silêncios
então, nada possuo em ofertas para ti
a dona de todos instantes me procura
são dela os meus passos e evocações
até este poema não me pertence mais
ele agora corre desembestado em eco
atravessando as varandas deste olhar
então, não espera que nada me tenho

domingo, 9 de janeiro de 2011

458 - concerto mínimo para viola e espasmos

então eu não pude mais
você vinha com tanto zelo
devorar o caminho íngreme
cavalgar o precipício da hora
aparar meus pelos com o olhar
você que impingia o desconcerto
lambuzava de língua todo o quarto
e o mundo era roda gigante, crescente

sábado, 8 de janeiro de 2011

457 - Poema para sobressalto e desalinho

Sob a espessa copa da manhã
Dançam impassíveis amândalas
Seduzem-se de areia e mistério

Eu assisto de fauteuil as ondas
Buscando o canto do merequém
E o repouso da alma em astélias

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

456 - sonata em desconcerto de retiro e descaminho

ah esse intenso partir
mesmo quando fico a esmo
serviçal pedinte da existência
mesmo quando desdobram-se
as folhas, as relvas e os sinos
e eu sou esse rio de urgência
que naufraga leito e correnteza

ah esse intenso partir
sob o céu infindo de calmaria
ornado de nuvens rendadas
e estranhos astros de sutil matiz
quem veleja a vela do alvorecer
quem borda a corda do martírio
quem sopra acordes ao olvido

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

455 - samba perdido em pandeiro outonal


criei limo na ciranda dos pés
pisei perdido batucadas e jasmins
no couro da sede soou o pandeiro
agora resta a iluminação da varanda
teu sortilégio e outras notas e claves

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

454 - Outro velho poema de impossíveis eras

Somos todos navegantes e não nos damos conta
Um dia aqui outro além, as coisas se misturam
Quimeras vão, desesperos vêm, quem dera mais
A torneira está sempre a pingar a última gota
E nunca aprendemos o nó certo dos cadarços
A noite está escura embora haja uma luz incerta
Palavras são faróis tontos cheios de significados
O roto, o maltrapilho frequentam-se no glamour
Das placas acetinadas, dos outdoors reluzentes
O homem convive com a sombra indevassável
Repete-se em antigos rituais e nunca se purifica
Rostos acenam em uma infindável procissão
Este que vos escreve se debate em celidografias
Se debruça pericondrítico com um surto ptótico
Calcinado por nada vislumbrar neste presbitismo

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

453 - cantata para oboé, libélula e raio de sol

Tinhas a posição dos voos solenes
Mesmo quando dormias sem vestes
E o mundo inteiro era teu quadril
E os meus olhos paralisados eram
A única ânsia de palavra que corria

Tinhas a posição dos voos solenes
Mesmo quando o martírio de asas
Te despregava do peito todo mar
E vinhas para querência de mãos
Afligir na foz o vendaval de lábios

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

452 - recitando Rimbaud numa jaula de tigres

ergue-te mistério de promontório
passeia lanças sobre minha face
ouve o corcel de tanto infortúnio
repara na tez dessa noite impura
observa os deuses que se foram
entretidos numa hodierna ciranda

deposita no meu peito a tua sede
sêde intento para desejo de mãos
deixa a solidão invadir os passos
e prenunciar o mar dos afogados
agora as auroras se hão de fechar
e a fortuna jaz no hálito do fâmulo

domingo, 2 de janeiro de 2011

451 - Curto-poema

o amor é tão breve quando chega,
quando parte leva a eternidade

sábado, 1 de janeiro de 2011

450 - Canção de mares e ventanias

Teus cabelos me querem explicar os ventos
Enquanto observo redemoinhos e paisagens
Sei que na noite farão luz em minhas mãos
Serão cristais ungidos por calor, sede e fome
Teus cabelos me querem explicar os ventos
Enquanto abraço o vício das tempestades