domingo, 31 de janeiro de 2010

111 - Epitáfio

Não quero morrer de uma só morte
Quero uma overdose bela
Uma após a outra em louca sincronia
E que todos os minutos se quedem
Numa agonia de corpos e almas
Até em mim não restar nem sequer

sábado, 30 de janeiro de 2010

110 - Improviso XIV

é tudo tão breve
quando fito estes passos
e a distancia inalcançável
deste sorriso em fuga

é tudo tão breve
que eu preciso forjar
a paz que não consigo
em bucólica oferenda

quem sabe assim possa
seduzir o instante com o
desconcerto da verdade
e a artimanha desta pena

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

109 - Improviso XV

sem mais nada espero
as coisas acontecerem
estou úmido de estrelas
vazado de claridade e
escuto o ar que se eleva

as horas fingem itinerário
na flor que persiste
e serena faz arrulho
neste murmúrio antigo:

que a lira despossuída
evoca em fios trêmulos

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

108 - Soneto XXI

Eu te quis pedir ao vento
Para que parasses de vir
Soprasse ao longe daqui
Eu te quis em não perder

Talhei, quis em ti um azul
Quase perdi a cor, o olhar
Fiz de ti a vela, quis partir
Eu te quis, doei as águas

Se falseasse ainda, o mar
Fosse enseada, os búzios
Deixassem levar em atrito

A correnteza sutil a verter
Deste peito onda e mágoa
Caravela de fina algaravia

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

107 - Poema de embaraço

Não há silêncio que me
faça sair do teu abraço.
Repito: não há silêncio
E soluço à repetição de
Tanto silêncio e abraço

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

106 - epigrama em azul

Sobre a vitrola paira um verso de amor
Reside excitante em mim como rodopio
Resiste em falsear vozes, a embriagar
Para pedir abrigo entre velas e abraços

Sobre o verso de amor pairam os olhos
Sutis, que invocam pessoa e presença
Como o caminho cheio de madrugadas
E o úmido tremor das flores orvalhadas

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

105 - Poema de um torto despertar

ela não veio lamber os versos
e fazer alvorada nas palavras
elidiu-se

domingo, 24 de janeiro de 2010

104 - poema de resistência

estava inscrito no corpo
como o vento no tempo
riscando intempéries

estava escrito no cristal
a consumir os olhos
e exaurir as migalhas
espalhadas neste jardim

sábado, 23 de janeiro de 2010

103 - Poema sem resposta

Eu não sabia da palavra
Que se insinuava nos lábios
Que queria inundar o sorriso
E eu não sabia pronunciar
O tormento que me afogava

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

102 - Improviso para duas mãos

Como se começa um poema
Quando não tem nascimento
Quando ele é todo meio e fim

Como se começa esse poema
Se o permitido não está escrito
E o não dito é pranto na página

Como se começa um poema
Quando as arestas aparadas
Apenas simulam o argumento

Como se começa esse poema
Se tudo é silêncio profundo
E este sonho desperto agoniza

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

101 - Canção ao vento que sopra

Deixe-me afagar as águas
Que me banham o peito
Pois nada sei das dores
Que ordenhas neste instante

Deixe-me afagar ainda a luz
A estranha luz que cresce
E não cessa em claridade
Neste corpo que alimentas

Deixe-me entardecer a palavra
em uma única rima indócil
para que eu risque na espada
a esquiva saudação deste olhar

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

100 - outro recado

Tu não vieste.
A música tocou até cansar
Meus olhos dançaram antes
Havia tanto vazio
Que tudo se embaçava
Adormeci um canto qualquer
E quando despertei
O silêncio era tão grande
Que eu precisei
Acalmar o coração:
A ausência me precipita

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

99 - madrigal uníssono

escuta a eternidade
que há neste vale:
a voz da folhagem
faz sussurro na
pele dos pássaros

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

98 - Madrigal silencioso

Está perdido em algum livro
O enredo de pedras
O guizo nos sonhos
A suave paciência de
Desbastar as palavras
A desmedida delicadeza
Do gesto que anuncia
A saliva da tua escrita

domingo, 17 de janeiro de 2010

97 - desmedidas falácias

vastidão não desdenho
recentemente a vejo

distraída e obscura
ante o verso e o jorro

da lágrima dessa
estranha fronte

onde lampeja indócil
por sobre a avalanche

a medida exata da fala

sábado, 16 de janeiro de 2010

96 - poema de estranha mensagem

Tudo aconteceu em 79
Mas eu só soube depois
Quando me veio a lembrança
No rosto já envelhecido
Era um século passado
E tua voz não mais se ouvia

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

95 - em contínuo

noites virão para que possas
consumir sem angústia
a solidão desses versos
eu esperarei o sem fim das horas
para aplacar os desígnios da pele
e finalmente esculpir este poema
como um derradeiro desejo
em tuas as mãos

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

94 - prosa rasa para violino e oboé (último movimento)

Agora é feito e a tarde arde.
Ultrapassamos os limites dos
sinais. Fomos corrompidos
pela virtude da carne. Agora
é feito e a tarde arde. A angústia
se fez parceira do verbo. O teu eu
se entranhou em todas as partes.
(Regozijo a este pensamento).
Sei que o silêncio está prenhe de
fervor. Sei que da tua mão surgem
luas. Sei que do teu corpo sopram
brisas de almíscar, e sei que
o mistério da tua boca fascina.
Agora é feito e a tarde arde. A
alvorada está no calmo jardim
que aguardo cheio de sede, quando
ofereces a seda do aconchego ao
viajante. Agora é feito e a tarde arde.
Despeço-me com a infâmia do adeus,
uma cara saudade em intermitência
e esta insolência pueril da paixão.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

93 - poeminha desinteressante

desconhecido e trêmulo
ante o verso,
dou-lhe nome
batizo a esguia clave

percorro-a em caracteres
e busco a forma fugidia

dou-lhe a treva na página
e cravo obtusos olhos
para quem quiser decifrar

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

92 - um fadinho saltando as ondas

que canto trazes no peito
de tontos mares atrevidos
já soçobraram os desejos
ficaram os medos cativos

corromperam-se os irmãos
com flechas voando às cegas
em guerras, trocas e tronos
nessa peleja que nunca cessa

tão estrangeira a minha terra
que ficou só um eterno vazio
com estes parcos cavaleiros
esculpindo sonhos à beira-rio

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

91 - poema de súbita grandeza II

houve luas na tua horta
a afugentar este gentil

cismas que puseste
em cimos que
não pude alcançar

ainda assim
devoto a ti o olor
das súbitas vagas
que chegam dos oitis

domingo, 10 de janeiro de 2010

90 - poema de vaga intensidade

desde que apareceste
no meu caminho
destilo inconstâncias
e afagos transitórios
e percebo sem temor
a caridade das formigas

sábado, 9 de janeiro de 2010

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

88 - poema de súbita grandeza

corri léguas de almíscar
em couro e corpo
a instilar o êxtase
que a si fez fortaleza

a apalpar os grãos,
adornar equivalências

e realçar com ciência
a pureza que envolve
o teu sexo de sapoti

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

87 - poema de encantamento II

se por acaso vires
a curva do corpo
ao dobrar a esquina
não se esconda

- recolhe o riso
de brancos dentes
e acolhe a brisa
deste olhar -

eu bem sei
que se avizinha
a breve e incessante
sinfonia de quem
não sabe dar-se
conta da paixão

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

86 - Drummond(nianas)

I
o amor bate na aorta:
então é preciso sangrar

II
tenho leite e jornais
todos os dias
e alguma poesia

III

as cidades e os moinhos
ficam no meio do caminho

IV

não há idade madura
as palavras apodrecem
se não forem gastas

V

consigo rimar outono
com a pedra que sonho
com sono, não

VI

já nasci gauche
o anjo torto
não era pervertido

VII

preso as minhas roupas
e alguma classe
fico cinzento e sem pátria

VIII

sejamos pornográficos
o mundo não é vasto
o mundo parece doce
como soda, raimundo

IX

queria ter nascido
em Andradina
seria uma forma
fina de rima

X
não chores meu filho
ainda há versos que
não foram escritos

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

85 - invariavelmente



teu cheiro me chega com as marés
quando se ruflam pássaros
e eu declino da benevolência
de ondas e sargaços
para assistir o coito assustado
das libélulas

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

84 - Outro fado de promessa

De cá deste espaço oiço
Ainda ressoar o estertor
Nuvem posta a mendigar
Luz e pasto da tua senda

Daqui recolho a oferenda
Florescer doce o encanto
Despertar de mar e vento
Aurora e bem-vinda unção

domingo, 3 de janeiro de 2010

83 - Poema de noves fora II

Equaciono ou quase
O desejo atávico de
Envolver-me à carne

Ser réstia deste vitral
Que endeusa a pele
Pelos, poros, a seda

Equaciono ou quase
Dele somente o entre
E vago, vago somente

sábado, 2 de janeiro de 2010

82



manjar lúdico

É agridoce a manhã
Que percebo
Quando inalo
- em tua coxa -
O cheiro ainda ralo
Dos ansiosos apelos

(nos insidiosos pelos
que aportam tua horta)

E no decoro da língua vil
Do verso morno a jorrar
Recolho em seiva a oferenda
Da nossa próxima ceia

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

81 - Ode para todos os cansaços II

Este poema
deveria ser
breve e intenso
como um espasmo
do universo.

Mas sucedeu que
apenas manchou
a página de tédio
e monotonia