quarta-feira, 30 de novembro de 2011

783 - ciranda de extravio para jornada dissoluta

há dias que caminho com as vestes
de uns recentes alumbramentos
entre os alvoroços de descobertas
que me participam o contágio de terra
desse viço que assola os olhares
outras vezes me sinto apenas indo
com os passos cálidos das manhãs
tão fugazes como os teus calcanhares

terça-feira, 29 de novembro de 2011

782 - ciranda de desconhecimento para senhora dos lilases

eu nada sei sobre o princípio das coisas
perscruto arcturus, aldebarã
espero um novo big bang para florir
por enquanto contemplo o caos
quero um estojo de madrepérolas
uma coleção de heliantos tardios
quem sabe o infinito esteja em teus lábios

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

781 - ciranda de sertão em véspera de trovoada

o mandacaru guarda em suas veias
o líquido lírico da sobrevivência,
mata a sede de rio no sertão,

mesmo refratário ao toque
incita a pele de arrepios,

dos seus espinhos reluzentes
é que assoma o néctar vermelho
que põe visgo e sangue nos dentes

domingo, 27 de novembro de 2011

780 - ciranda de alvoroço para antigos heliantos

na época da minha infância
não havia monstros no jardim
hoje eles crescem desolados
sem nenhuma assombração
são duendes sorrateiros
que se transmutam violáceos

você chegou a notar a presença
daqueles seres solitários
mas não te interessou imolá-los
bastava a mim, já entrecortado
por teus véus de suma ausência

na época da minha infância
não havia monstros no jardim
hoje eles crescem desolados
as sebes enfeitadas escondem
o martírio de pés amassados
o afinco de mãos se exaurindo
o inútil tumulto dos heliantos

sábado, 26 de novembro de 2011

779 - a poesia é o silencio engravidando sílabas IV

o teu silencio me come as horas
interdita os sentidos
faz correnteza nos meus olhos

o teu silencio me faz rio distraído
atordoado de ribanceiras
debatendo-se em tonta penedia

o teu silencio me põe em ventania
corrói os metais das artérias
desdenha do que não ouso dizer

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

778 - Poema para cotovia na sebe distraída

a asa faz reminiscência de voo
no instante que o pássaro
saliva os bemóis do alvorecer

assim emplumado de espanto
destila o assovio pela campina
e atiça alvoroço na madressilva

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

777 - epístola aos que navegam em sal e silencio

ainda era eu que precipitava passos
nas ribanceiras de tantos caminhos
o olhar ruminava de ti uma ausência
vergava distraída a asa do pássaro
não o canto que sibilava sustenidos

no alforje descansavam as auroras
havia mãos que queriam o alvorecer
impune o sol punha brasas no hálito
tudo tão inexplicável como o silencio
que se espraiava no sal da maresia

cumpria-se a tua rota sem bússolas
neste espaço de inquisição e enigma
em que soletro a urgência de lábios
enquanto cavalgo o rocio assustado
e perscruto moinhos para um duelo

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

776 - a poesia é o silencio engravidando sílabas III

a minha família é o vento que urge
e cria identidades na pedra
nem mesmo o mar tão imenso
fica imune aos teus vendavais
a minha família é o vento que urge
e açoita sílabas nas minhas retinas

terça-feira, 22 de novembro de 2011

775 - a poesia é o silencio engravidando sílabas II

a metáfora da distancia no sertão
é carregada de léguas
são os bravios dos descaminhos
que impõem formosura
quando desapercebem os rios
de suas veredas e sibilam
como os répteis assustados
na maresia da pedra quente

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

774 - a poesia é o silencio engravidando sílabas

não houve palavra que desse conta
do alvoroço em tua fronte
no entanto eu bebia tuas retinas
era o fino fio em teus supercílios
ainda guardo no espelho a memória
dos cavalos alados que riscam o céu

domingo, 20 de novembro de 2011

773 - Poema para cadência silábica em escala atonal

A flor há de haurir o canto
A cada sílaba
Por nuvem na saliva

A flor há de haurir o canto
A cada cesura
No subterrâneo do verso

A flor há de haurir o canto
A cada hemistíquio
No artesanato do verbo

sábado, 19 de novembro de 2011

772 - Canto para exarar reminiscências do infinito

Açoita-me a memória os lugares que nunca estive
A foz do rio Estige, as cerdas da Esfinge, a efígie

Corrói-me horda, cordas em acordes subterrâneos
Desconcerto de horta, abrolhos, deleitar ambrosia

Sopro de pátina sobre o céu acinzelado de nuvem
Perpétuo decoro que evoca silente silvo da sílaba

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

771 - Outra canção de fervor para a natureza dos temporais

Venho de sal em sal na maré dos dias
Sou dessa substancia que se erige na ventania
Silfo noviço na artimanha de modelar nuvens

Venho de sal em sal na maré dos dias
Ao acaso de velas me ponho em desassossego
Neste mar que se cumpre em espelho e presságio

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

770 - poema de resiliência para os contornos do alvorecer

para Vais que me rogou uma ciranda


vejo-te com a simplicidade das coisas singulares
neste caminho até o arrebol
contemplo riscos que a areia dissolve

mais um dia há de vir
sem nenhuma palavra que interceda

assim se sucedem os impérios, as dinastias
sem que nossos gestos possam haurir
a sequencia de fogo da existência

diviso a rota dos girassóis ensimesmados
somos o hiato desta estranha correnteza
a brevidade é o signo da nossa morada

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

769 - fragmento tosco para uma ode marítima

quando uma sede me continha
de içar velas fui à procela
vaguei entre ausências
até o horizonte dissipar

deitei na proa de tantos astros
que os olhos perderam a órbita

quando uma sede me continha
de içar velas fui à procela
e era de risco o anelo
de ti a bússola que ousei ansiar

terça-feira, 15 de novembro de 2011

768 - esboço para duendes em retrato amórfico

deu-me de germinar ardósias
em cada folha como pétala
- o fino predicado mineral

néctar de textura cristalina
- pomo de deusa grega
seiva que no silvo se desenha

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

767 - récita breve para estrelas que gorjeiam o mar

- o sal perdura nas retinas -
sob a circunstancia das marés
- olha o clarim da alvorada -

na carne lacerada: a palavra
o mar arrepia-me de horizontes
em qualquer nuvem desavisada

tua pele se excede de fervor
é sal, mar, nuvem, horizonte
circunstancia dos temporais

domingo, 13 de novembro de 2011

766 - poema de estertor, foice e laminas iluminadas

tudo faz ausência no silencio que fito
aqui e ali regozijam-se as memórias
sou o ser que perambula na sombra
um fotograma sépia à procura de luz
um retardo no projétil engatilhado
dói-me o desatino de tantas palavras
queria antes o súbito som, a explosão
a face envidraçada de atônitos rostos
o gume afiado no olhar do transeunte
tudo faz ausência nos ossos cansados

sábado, 12 de novembro de 2011

765 - Canção de fervor para a natureza dos temporais

prezados senhores, as palavras ardem
pelos meus olhos, queimam-me as mãos
não me peçam impunidade ao verbo: deliro

prezados senhores, as palavras ardem
apreciem a procissão de girassóis
em cortejo solene pelo alvorecer

é disso que vos falo:
o dilúculo se anuncia, rogai
que me canso de antelóquios

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

764 - canção para apaziguar rubros horizontes

gentilíssima ela me levava flores
arquitetava planos para nós dois
eu de nada sabia senão do aroma
que ficava impregnado pela sala
um dia contou-me a sua história
em leveza, singeleza e altruísmo
ela se alçava de muitos ímpetos
eu só tinha vistas para o estertor
a magra cama, o pote, o silencio
pouco entendia o verbo do florir
gentilíssima ela me levava flores
eu só me repetia em verbo, verso
nada que respirasse me expandia
gentilíssima ela me doava um olho
o fogo que se punha a me aquietar

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

763 - réquiem para estrelas, via láctea e imensidão

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
as horas já se consumiram
o girassol cumpriu sua rota
o mar em vaga e preambulo
estilou a cota de imensidão
pés delinearam outra seara

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
mulheres já carpiram perdas
os campos foram semeados
houve guerra, há ou haverá
desabitados cataram refúgio
mãos clamaram por migalhas

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
toda a vastidão já se exauriu
portas se fecharam em vão
em meio ao tumulto e terror
as palavras escavaram sinas
para o desatino da existência

enquanto começa o meu dia
lá do outro lado do mundo
os espelhos já estarão rotos
o muito do que era definhou
enquanto começa o meu dia
a ventania derrubou nuvens
no céu do outro lado mundo

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

762 - canção para estrelas, via láctea e imensidão

não me coube o fortuito
aquilo que em olhos vagava
não, não me coube
o acento melódico e sutil
vingaram-me pedras em uso
o malbaratar das horas
não me coube o que brilha
pedra acesa queimando mãos
não, não me coube
vingaram-me palavras tortas
o solilóquio amargo do verbo

terça-feira, 8 de novembro de 2011

761 - balada de senil paragem para cabelos brancos

já não te sigo, persigno-me
a cada lembrança, ausência
para onde foste, o quereres
o hálito que fala em ti, inala
não me sabias este, d’outro
que ferrão fere, vinga o viço

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

760 - canção de bem-querer para palavras que atiçam ventania

p/ Tânia Regina Contreiras

quis a mão sábia interceder-se em ventura
nesta fugaz epifania que corrói o amanhecer
quis beber cântaro, moringa, pote, alvíssara
como se o preâmbulo em tudo se contivesse
quis ímpeto solene, invento, casulo, maresia
tão insólito devir, pêndulo que a haste move
quis miçanga de âmbar em miúdo calcanhar
para pirilampos que enfeitam alumbramento

domingo, 6 de novembro de 2011

759 - poema para lençóis numa estação de cansaço

não sei em qual distancia me aconteces
um canto torto, um varal de incoerências
tudo vira amiúde manjar para um repasto
cada palavra de silencio que em si goteja
cada trespassar na alma de sutil alvoroço
não sei em qual distancia me aconteces
todavia rumo em pretéritos para teu lado
abraço esse estar etéreo que me edificas
sei que por teus olhos há de vir primavera

sábado, 5 de novembro de 2011

758 - Dois poemas de improcedência para estados de ausência

inspirado aqui Dani Carrara

I

uma gare desabitada
num poema de pessoa

II
se me fosses somente silencio
eu não te furtaria uma canção
mas assim em alvoroço
não sei que vento me incita
fico dentre, adentro
todo orbe me desabita

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

757 - poema torto para pirilampos no jardim

sem que eu me saiba
cantam-me rouxinóis
cruzam-me de oboés

sem que eu me saiba
cotovia de mim se ria
meu reino de canário

sem que eu me saiba
nó no peito arrebatado
canto só e desavisado

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

756 - apontamentos de verão para faces à ventura

bendito seja o tempo que germina o ventre
que a pelve incandescente o sol transcende

bendito seja o frescor que irriga a intempérie
que a mão caridosa inocula em movimentos

bendito o cúmulo que se forma em auréola
que conduz para a sagração do afortunado

bendito o repasto que se oferece em cortesia
que força alguma arrefece quando se anuncia

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

755 - Canto de assovio para coito das libélulas

Para sublimar o desconforto das ribanceiras
Amiúde a natureza faz contemplação de rio
Necessário também para elevação do olhar

Outro caminho para luzir horizontes tardios
É ordenar o ponto de equilíbrio dos girassóis
Assim incitam-se as borboletas de sentinela

terça-feira, 1 de novembro de 2011

754 - Sobre o ímpeto do salto na alma das palavras II

Toma-me na inquietude dos teus lábios
Sorve a resina do tempo que se exaspera
E morde os lilases que gotejam mansidão

Houve em tua voz um passado de brisas
Em que a jornada de silencio da palavra
Anunciava o vôo semântico das auroras

Perdoa-me se ainda hoje assim te percebo
Nesse emaranhado de dores e pensamento
E transito febril para ouvir terno regresso

Perdoa-me se por ora pouso em teu regaço
Que minha mão povoa espaço de ausência
E nada se fixa em nossos olhos embaçados