Palavras gorjeiam como asas,
Dão saltos, equilibram-se no alto
Vestem-me de plumas e metáforas
Abrem-se aos horizontes e espaços
Palavras não são laçadas ao acaso.
Dispenso qualquer gravidade
Alço-me em vôo e pétalas
Pairo em asas e lábios
Sou o avesso de um sorriso
O que sibila sono e trovão
O que dissipa em preces
A rota fria dos cata-ventos
Numa certa manhã
Deste ano que desconheço
Divisei as pontes de então
Mas não tentei ultrapassá-las
- Como fiz até aquele dia -
Atirei-me na correnteza
Com a mesma calma do rio
E sem possível indagação
As muitas malas que carrego
São destroços destas caminhadas
Não me vem com peso
Estão içadas por altas alças
Não cansam de ilusão e
Carregam muitas fomes,
A sede e o deserto das horas
Carregam tanto o que não havia
Que não me cabe em recordação
Não me pergunte por que escrevo.
Escrevo para acalmar as horas,
Para aplacar as distâncias,
Para inundar a agonia da ausência.
Escrevo por um reles desconforto:
A minha alma quer fugir.