quarta-feira, 30 de junho de 2010

261 - poema lento em almíscar

Deito na palavra esta longa solidão
Celebro a noite de todos os vazios
Não cabem no céu meus astros nus
Pois me salta da boca este alvoroço
A rugir de aromas no frio das horas

terça-feira, 29 de junho de 2010

260 - prosa para retiro e calmaria

Tenho o passado em tuas mãos
Nas sombras que fizeste crescer
Em meio as tormentas desta nau
Ensandecida de tantos mistérios

Na saga deste ardente opúsculo
Que aflige como o desejo inútil
Como desconhecimento de eras
Seara que cativo em pacificação

segunda-feira, 28 de junho de 2010

259 - Ária em quarto crescente dissonante


Pairava o tempo em vozes de esfinge e néctar
celebrando o madrigal cheio de impossibilidade
e desterro, gauche de sentidos e atônitos versos
fincando na areia ruínas de um encanto cansado
pregando chamariz desencontrado de crepúsculos

domingo, 27 de junho de 2010

258 - a poesia, o mote e o pote de ouro

Estaríamos sobre as nuvens, soberbos
Não ensebados em vilezas e miudezas
Acaso não fossem caras as máscaras
Com que se enxaguam nuas silhuetas
De tantos através em nós atravessados

sábado, 26 de junho de 2010

257 - série sem título II


Já não acho teu cansaço
Quando deitas tuas vozes
No trago da mordida voraz
Afagando-me entre as pernas
Sem pena que dê trégua ao paladar

sexta-feira, 25 de junho de 2010

256 - série sem título III

meus olhos te carregam vincent
no espanto de tantas cores
mesmo quando luz e asfalto
se intrometem em nós trigais
e se ruflam nossos passos
no devaneio de cada traço

quinta-feira, 24 de junho de 2010

255 - O livro sujo de muitas mãos

a linguagem entre dois corpos
é rio desencontrado,
é ânsia de desaguar,
fazer jorro até o céu cair do ar

quarta-feira, 23 de junho de 2010

254 - de um Pólo a outro



seja na Arábia ou na China
o ponto na paisagem
não representa a águia
ele é o próprio pássaro

terça-feira, 22 de junho de 2010

253 - série sem título I

recorta-me os dentes em alegoria
põe-me cintas e ata-me os sentidos
descortina-me o alforje de alvitres
pune-me incrédulo em vicissitudes
flagela o ímpio desejo que assoma
faz de mim a nua ponte e não o fim

segunda-feira, 21 de junho de 2010

252 - budismo pós-moderno


perambulo entre falácias
neste rossio encardido
de sol a sol: sós
- tu e eu -
augusto, um pombo
defecou na minha sorte

domingo, 20 de junho de 2010

251 - Suíte para cordas e silêncio II


Sedas e sendas me conduzem
Ao recanto do teu sexo,
Ali onde regozijo
Meus versos exasperados

sábado, 19 de junho de 2010

250 - Suíte para cordas e silêncio



Esperei-te em ofertas que não vieram
A indesejada carruagem do tempo partiu
E do nada que me deixaste fiquei cativo
Inabalável nas preces dos teus quereres

sexta-feira, 18 de junho de 2010

249 - Cantata e epifania

Cavalgo intempéries na lavra do verso
No dorso viscoso das tuas madrugadas
Onde mãos febris respiram teus jasmins

quinta-feira, 17 de junho de 2010

248 - Metaplágio de Bilac



Ora direis que estas chamam me alcançam
Como beijos desencontrados no vazio
Eu todo olvidos na miragem da lembrança
E varo estrelas - alea jacta est - na via láctea
Só para sentir o frescor da veia torta (aorta)
E colher desígnios e cheiros em tua horta

quarta-feira, 16 de junho de 2010

247 - Haikai pueril


Ouço ressoar de outrora
Carnes se encontrando
Em sutil prima vera

terça-feira, 15 de junho de 2010

246 - Suíte para très jasmin


Mesmo se não fora riqueza
O ócio que destino estas horas
Há o feitio do verso que assoma
Há o sonho que me eleva por inteiro
E me desenraíza desta nuvem de fastio

segunda-feira, 14 de junho de 2010

245 - serenata para flautim e solidão

porque me falaste deste amor
que não cabe aberto em rocha
e não partilha os seus avisos

porque me falaste deste amor
se não me tenho embriagado
e não sei apascentar as nuvens

porque me falaste deste amor
se caminho ermos toda a vida
e não quero porto a me ansiar

domingo, 13 de junho de 2010

244 - Estudo em acordes e cores


Emoldurados em lenta fidalguia
Ressoam teus passos de alaúde
Adornam de sombras meus olhos
Tristes e vazios de tanta nostalgia

Vertem as lágrimas que não ouso
Da etérea nuvem o vento dissipar
Concede as mais vagas cantorias
Para que soem em último repouso

Do celeste anil delírios e abismos
Estrelas e metais, som e estribilho

sábado, 12 de junho de 2010

243 - Flores e madrigais

infinda era a tarde
que habitava a infância
onde se colhiam gestos,
e acolhiam-se inventos
em visgos e alvoradas

até na pele do vento
havia tempo de recomeçar

sexta-feira, 11 de junho de 2010

242 - Variação para metais e bateria


Não há distancia que alcance
A alma raiada e a vivacidade
Deste encanto que me deitas

Rebento de diverso sortilégio
Acordo para a cria do amanhã

quinta-feira, 10 de junho de 2010

241 - Noturno de trem na estação

Da poesia quero sonho louco de mar
Âncoras, palavras e naus impossíveis
Rota cega de cio, o balanço das vagas
Tempestades, branca vela, naufrágios

Da poesia quero sono louco de amar
Perfídia, palavra e marco impossível
Peles, alvíssaras, o rodopio do corpo
Sedução, algaravia, noites e arrepios

Da poesia quero bramir estas espadas
Que me atravessam como duas faces
Uma carpindo os desejos em deserto
Outra cantando rouca sobre os mares

quarta-feira, 9 de junho de 2010

240 - Improviso para concerto em Aranjuez

O que me importam os avisos
Se te preguei em meu espelho
Se teu rosto é a minha imagem
Refletida nos vitrais da avenida

O que me importam os avisos
Se me banho em tuas águas
Se me despeço em teus passos
Se és lua em cândida alvorada

O que me importam os avisos
Se as dores se calam em festa
Se teus gestos despertam hinos
Se tua voz me abocanha o céu

terça-feira, 8 de junho de 2010

239 - Canção de plena alvorada

Não choveu, amor
A nossa fonte, nosso jardim
Nossos sonhos de cristais
Tudo isso o tempo comeu
Como as nossas carnes
Desbastadas pela natureza

Não choveu, amor
A frieza do relógio impõe-se
As taças erguidas em vão
Em meio a tantos vendavais
Tudo isso o tempo comeu
Em sacrossanta castidade

Não choveu, amor
E eu ainda fito a paisagem
E repito em versos o canto
Aquele que faz soar o coração
Que o tempo só há de comer
Se murcharem as pedras

segunda-feira, 7 de junho de 2010

238 - Noturno da mais pura astúcia

sim, basta isso, para que minha língua se paralise,
e eu sinta sob a carne impalpável fogo
Safo

Quem dera o requinte da tua língua
A apavorar minha sede de lábios
E germinar tempestades sob o sol

domingo, 6 de junho de 2010

237 - prosa de recusa e libertação

A renúncia é a libertação. Não querer é poder.
 Fernando Pessoa

Leio a renúncia do corpo
No jeito de apanhar palavras
Recolher lábios em cada gesto
E fazer amor peça de oratório
Como velasse desejos e minúcias
E gastasse o regalo dos olhos
Com esse maternal calar-se
fitando este vazio imenso,
tão imenso que nem ouso respirar

sábado, 5 de junho de 2010

236 - Suíte para ouvir Leminski


Sobre precipícios desfilam os instantes
Deslizam feito fagulhas atordoadas
Vou começar a me perder para ser o outro,
O que come versos e arrota maresias.
Um dia quero ser todas as poesias

sexta-feira, 4 de junho de 2010

235 - Fantasia para ninfa e jardim

p/ Lara Amaral

Da moça feita de azul e laranja
Se lançam rimas de lua e lavra
Na trança que tece fino arrebol

Flor de estio em luz e devaneio
Debruçada em dobra e coberta
Feito cândida alegoria pastoril

Queria eu de inventos produzir
A mais perfeita alquimia sonora
Capaz de cumprir o rito da flora

No canto doce de torre e castelo
Ver descortinar-se o lume pueril
Da mecha escondida em pétala

quinta-feira, 3 de junho de 2010

234 - Sumiê


Conta-se que um dia o grande mestre
pintou um peixe com um só traço
até hoje pulsa o risco naquele papel

quarta-feira, 2 de junho de 2010

233 - Canção de entreter girassóis

Deste mundo que não me tenho
Porque não me pertencem as auroras
Queria te oferecer umas prendas doces

Um pequeno travesseiro de assombros
Para que repousasses
No desassossego da palavra

E quando acordasses tardezinha
No sol alto de uma manhã infinda
Te fizessem festa nos olhos cansados
Meu espanto de menino e esta rubra cantata

terça-feira, 1 de junho de 2010

232 - poema de urgente reinvenção


p/Nina Rizzi

açodar os verbos com incongruências
despertar a moura poesia das urgências
acalentar de pássaros o silvo nas sílabas
adoçar a respiração com chiados da ribeira
prestar relevância no improviso do destino
pegar certo desgosto no que está escrito
até o poema virar um pedaço de nuvem
e ficar feito sombra pairando no quintal