agora são estes passos sonâmbulos que me perseguem, há esteiras espalhadas na areia, algumas mulheres se divertem na sacada do prédio, acho que fumam alguma coisa, os carros transitam entre os faróis, muitos definham na praça logo em frente enrolados em lençóis, devo crer que há mais vida que a minha, esta que se encerra neste corpo a vagar, esta que se ilude nos alísios, esta que a escória de olhares atravessa, não em faca, lamina, punhal, mas algo mais corrosivo como um abraço, agora são estes passos sonâmbulos que me perseguem, sei que não estás em nenhuma mensagem, nem ao menos atirei garrafas ao mar, sei que me afago em lembranças, agarro as intempéries e ouço stravinski em um piano distante, depois do meio-dia me abate o princípio de uma saudade, recompensa daqueles dias em que o corpo era o alívio da alma e os deuses eram os sábios sapos que coaxavam na lagoa, que venham os entardeceres quando definharei com o cigarro, a vodka e a água salgada que não cansa de vazar sob as retinas.
22 comentários:
Bom dia...
na vida e suas artérias...há vida para além da vida. E quando a água salgada é tempero...essa vida tem mais sentido.
Adorei ler o seu "549". Parabéns e boa continuação.
1 Bj*
Luísa
Abraço corrosivo, ui, doeu aqui.
Na maior parte das vezes o que parece não é. Talvez o vodka, ao fim da tarde, ajude a cimentar essa impressão.
Excelente texto!
Abraço
ASSIS!
Água vazada - Por delicadeza, perdi minha vida (Rimbaud)
Naravilha!
Beijos, poeta MIL!
Mirze
Texto afiadíssimo. Maravilha!
Abraço!
Bastante intenso ...abraços de boa semana.
Muito, muito bom!
De mestre sapiente.
Minha vénia!
esplêndido. esplêndido, esplêndido
...
Rasgante, excelente!
Beijo.
são os passos sonâmbulos quem me mantém inquieto.
abraço!
depois dessa só fumando outro...
beijo, metapoeta!
(detalhe: o cinzeiro está cheio de mim)
Maravilha, Assis!
Palavras, quaisquer que eu encontrasse, até me atrapalhariam...
Abraço!
Deixarei, Assis,
duas estrofes de um poema
(...)
leve, breve, suave,
um canto de ave
sobe no ar com que principia
o dia.
escuto, e passou...
parce que foi só porque escutei
que parou.
nunca, nunca, em nada,
raie a madrugada,
ou 'splenda o dia, ou doire no declive,
tive
prazer a durar
mais do que o nada, a perda, antes de eu o ir
gozar.
(Fernando Pessoa)
muito bom os deuses sábios sapos
beijo e boa semana
ah, finalmente um poema a me embriagar...
fosse eu rimbaud
queria te ver
laine
besos.
Arrasou, Poeta!
beijos meus..
Esse canto torto, feito faca corta minha carne!
Sempre surpreendente!
Abraço, Assis...
Uau, Assis!!
Senti novos ares aqui num tom poético, surpreendente e narrativo, provocando-nos a imaginar...
Gostei!
Beijo
Rimbaud e o seu verso vingados.
L.B.
"e a água salgada que não cansa de vazar sob as retinas."
Eufemismo providencial. Escrevesse lágrima,uma única e mísera lágrima e seria a gota d'água. O poema transbordaria, causando uma catástrofe sem precendentes.
Um amigo meu, bom contista e poeta, abre suas oficinas literárias com uma aula cujo tema é "Palavras e expressões que não se escrevem":
"Primeiro: a palavra lágrima. Jamais. Caso não encontre um jeito de substituí-la, suspenda o choro!"
Abraço
Seria o paraíso se todas as vinganças fossem assim. Rimbaud lhe fica muito grato, minino.
Beijo.
choro e bebo tuas palavras poeta..
beijo.
Postar um comentário