quinta-feira, 30 de junho de 2011

630 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos (terceira imagem)

Ao tudo que indica girassóis repetem o crepúsculo
Eu repito as palavras em sagrada oferenda
O espelho repete a imagem refletida de um caos
Meus atônitos passos se espalham pelas ruas
Querem cruzar sinais, fazer prece nas esquinas
Enquanto a tarde reclama iridescente por do sol

quarta-feira, 29 de junho de 2011

629 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos (versão sucinta)

Pertence ao repentino uma florada de lilases
Pertence a urgência o desatino do caminhar
Aos olhos pertencem a impaciência e o limo
Pois é de apascentar a visão que floram rios

terça-feira, 28 de junho de 2011

628 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos

A tarefa de fazer pertencimento ao mundo
É relatada ao corpo pelo contágio do chão
Dizem os sábios que o vento imanta a pele
A brisa por vez molda saliência na têmpora
A chuva nos tragefa pelo olfato e pelo táctil
Quando amanhece faz relâmpago nos olhos
Aflitiva é a frágil noção de desconhecimento
Assim como o mundo fez princípio no verbo
O rebuliço nas palavras empalidece a carne
Solitária ao mar a ponte espera transeuntes
Metáfora que ressoa no abandono desse cais

segunda-feira, 27 de junho de 2011

627 - poema de feitio para senhora da tarde

alguns fantasmas me rodeiam
perambulam em interrogações
como quando só tu me avistavas

de feitio abstrato vinhas em valsa
ao sabor do tempero das palavras
dançavas ao exercício da sintaxe

eras flor no arrepio de lua e aurora

domingo, 26 de junho de 2011

626 - Canção de preamar entre o crepúsculo e o amanhecer

A água é benfazeja assim como a palavra
Navegam-se em ventos, remos e verbos
Brusca bússola na sílaba, no leme, na pele

A água é benfazeja assim como a palavra
Vergam-se sortilégio, tormento, intempérie
Vagam em vazios na sede de corpo e alma

sábado, 25 de junho de 2011

625 - Carta de doação à mercê do vosso esmero

p/ Daniela Delias

Deixa-me um visgo em tua sílaba
Átona e desavisada encíclica palavra
Correndo céus entre pele e estrelas
Na dolente gramática das retinas

Infinita constelação em pária galáxia
Esteira brilhante, verbo de anunciação
Mão que pousa o cintilante no arrepio
Moto contínuo para estrada de sem fim

sexta-feira, 24 de junho de 2011

624 - Poema de resina e cristal para distorção ótica II

O teu olho percuciente me consome de caos
Fito desejando cílio, sobrecenho, supercílio
Ornada de pelos a vulva altaneira desliza ilesa
Da face à tona circunscreve rebento movimento

quinta-feira, 23 de junho de 2011

623 - Repente enluarado para outras armas brancas

A lâmina não sabe a inconveniência da carne
Desliza o corte até separar em partes
Assim cumpre o rito prescrito do seu ofício

Há sinas de lâmina que se apossam do olhar
Varam de rasgos as noites em ventanias
Nunca se tem o pressentido nem o que virá

quarta-feira, 22 de junho de 2011

622 - Repente enluarado para armas brancas

p/Marcantonio

Esgrima, alfanje, cutelo ou faca
A lâmina incita o risco
Em vão verga o aço na palavra
Que a si carrega engenho e carne

Pelo fio deslizam anelos
No manejo singelo do compasso
Em que pairam os arremessos
No espaço curto e convexo do medo

terça-feira, 21 de junho de 2011

621 - Canção de antevéspera para desígnios alheios

a partir deste poema de Jorge Pimenta

a gás e fogo se consomem as palavras
nódoas de uma história civilizada
os frutos já não apodrecem:
volatizam-se em sementes,
somente o tempo avança sobre tudo
e espreita o ar de indagação dos girassóis

segunda-feira, 20 de junho de 2011

620 - Poema de resina e cristal para distorção ótica


Eu te digo, embora não me creias
Que os lilases reverberam mansidão
Que os muros caiados estão propícios
Aos encontros fortuitos dos pardais
Tanta coisa que eu te digo
Mas tu, em santa inocência, não crês
Em meu amor também não crês
Não vês que ele é cristalino e retina
Estão continuamente criando-te imagem
Eu te digo, embora não me creias
E passeias o desencanto nas palavras
Enquanto vives absorta, solene
Semente no simulacro da poesia

domingo, 19 de junho de 2011

619 - A balada de Jack e Esperanza (para o Lalo)

Eu devia peregrinar mais, caminhar mais. O sentido da existência pode ser isso. Caminhar em descaminho. Sorver a solidão dos passos. Embrenhar-se. Mas deitado no sofá eu contemplo o mundo. Desde a minha barriga, estão o planeta terra e o universo. Tudo se move no orbe do meu nariz. Já escolhi ser o despropósito. O que procura toscamente a sombra, mas não há. Mesmo o vazio não há. O ar que respiro infla os meus dias de tédio. E o tédio é avassalador com as palavras. Modorrentas elas ficam inertes no poema. Palavras em estado vegetativo. Pudesse eu soprar inadvertidamente as espirais de fumaça. Ficar em completa abstinencia do verbo. Deitado no sofá eu estou somente, só mente.

sábado, 18 de junho de 2011

618 - Recitativo breve para quando a onda faz marulho

o amor é coisa insurgente
reina em aparições
tu me floriste em relâmpagos
neste orbe de súbitos arrepios

eu nada sabia de celeste pétalas
até tomar o arado com afinco
e compor árias de ressurreição
para que inteira estrela estejas

sexta-feira, 17 de junho de 2011

617 - Poema de invenção para prosa de Zappa

assim zarpam os barcos para os naufrágios,
eu me afogo em livros e coxas

quinta-feira, 16 de junho de 2011

616 - Ária imodesta para alçar o canto da cotovia

Há um veio de cheiros em tuas carícias
Um novelo enluarado de repentes
No desalinho das manhãs raiadas

Há um veio de cheiros em tuas carícias
Uma sedução de imprevistos
No vaidoso silêncio de fluir os gestos

Há um veio de cheiros em tuas carícias
Que comove de atrasos as horas
E faz morada no assovio do vento

quarta-feira, 15 de junho de 2011

615 - Poema de captura para senhora dos alísios

Eu pensei que o cálido vento
pudesse anunciar mais que incertezas
mas volto ao antigo compasso
relembrando a solidão dentro do silêncio
ou o silêncio dentro da solidão
não importa a ordem para a angústia
tampouco importa se por ti dobram sinos
e os relógios sujeitos à intempérie
congelem os ponteiros à tua chegada
apenas creio que devo informar
o incêndio que se aproxima do corpo
breve se lançarão os sinais de fumaça
anunciando a nossa singela imperfeição

terça-feira, 14 de junho de 2011

614 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço X

X

A reticência faz abuso nas curvas do rio
Dobram contrafeitas metáforas descabidas
Em recurso último de salto e cachoeira

Elísios campos em alusão a elipse
Contratura de foz em curvatura
Dói-me a alma por princípio de cura

segunda-feira, 13 de junho de 2011

613 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço IX

IX

A serpente respira a saliência da pedra
Orna-lhe de olfatos um canto mineral
Desliza em precipícios o corpo esguio

Assim me rio de toda singeleza do fato
Pois habita esse silêncio escorregadio
Que germina o pranto no verso inoculado

domingo, 12 de junho de 2011

612 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço VIII

VIII

Aquietou-se o malmequer de florir
Terreno todo feito para espasmos
Lacinia, sépala, calêndula

Marcam-me horas e maravilhas
Odores premonitórios e água viva
Para ser hábil na língua do pássaro

sábado, 11 de junho de 2011

611 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço VII

VII

Sobre o rasgo da campina impera
Frondosa em sua majestade
A íntegra solidão do jequitibá

A ábobada folhagem toca o céu
Enquanto rijos os olhares se ajoelham
A contemplar a imensidão de candura

sexta-feira, 10 de junho de 2011

610 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço VI

VI

Cores tardias riscam o observar
Sacoleja de ombros o bem-te-vi
Soletra seu canto em tertúlia

A menina zombeteira de saia e riso
Me solfeja sua alegria nos dentes
Sigo cego pronto para o acidente

quinta-feira, 9 de junho de 2011

609 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço V

V

É da astúcia do aço o sibilo
Risca o pássaro, corta o cacto
Vibra silente feito víbora

A natureza do bote no repente
Até na água atinge a mira
Não há disfarce que lhe finja

quarta-feira, 8 de junho de 2011

608 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço IV

IV

A cauda inclina o lagarto
Em sua densidade horizontal
Areja o vagar do rastro na paisagem

A cabeça oscila em desafio
Contrafeito com a sede de músculo
Cai-lhe o verde feito musgo

terça-feira, 7 de junho de 2011

607 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço III

III

O olhar do peixe é puro brilho
Corta nas águas suas laminas
Flecha de anzol que não engana

Entre guelras e escamas
Elude ingerências transparentes
Salta líquido no arrepio do engenho

segunda-feira, 6 de junho de 2011

606 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço II

II

Perdura na inquietude
O rumor de asas no pássaro
Orna-lhe pétalas laterais

Do seu bico de assovio
Sopram as forças em voo
A melodia ampara-lhe no ar

domingo, 5 de junho de 2011

605 - Sobre as desmedidas da essência de argila e aço

I

Para colher espantos
A natureza douta
Umedece os cactos

São assim fugazes
Os efeitos do espinho
Criva-nos espasmos vegetais

sábado, 4 de junho de 2011

604 - canção tardia de amanhar rebanhos

a avassaladora lua da madrugada
faz-me sonhar princesas descalças
e constatar o peito pleno de vazios

sexta-feira, 3 de junho de 2011

603 - poema para todos os graus de alteridade

divindades silvam faces recortadas
sob a etérea e repentina luz,
que senhor de ambiguidades
soprando terços ao acaso
urdiu a trama e sonhou a força
para o laço e aceno de mãos

quinta-feira, 2 de junho de 2011

602 - Canção antiga para fotos no baú

O tempo passa tão veloz, dizem
Mas insisto aqui na esquina
A esperar o beijo de despedida

quarta-feira, 1 de junho de 2011

601 - Litania desmesurada ao cativo dos teus braços

Oh rosto meu que de ti ouviu sorrisos
Qual ao léu em brumas conteve os cismos
Cujo infante singrando nau em teus mares
Fez desabalar o giro do tempo no encalço

Oh rosto meu que de ti ouviu sorrisos
Qual ao léu em brumas conteve os cismos
Se vencido ou dominado não importa o crivo
Sob as calhas da razão dói mais o esquecido