domingo, 31 de julho de 2011

661 - cantiga de sopro para instrumentos de chave

espero a solidão no recôndito osso
quanto fores desavisada ao silencio
e eu estiver carpindo as madrugadas

ouço a ventania que rude se aproxima
atiçando crinas nos cavalos marinhos
sou pleno de mar em vaga e desapego

ainda há pouco pedras conjugaram pés
confidenciaram a rotina de um caminho
é assim o amor: itinerário ensimesmado

sábado, 30 de julho de 2011

660 - Rapsódia inóspita para asas em desassossego

Sob o espanto do canto o vento imola as asas
Sob o desconcerto da tarde todo pássaro é sol

Assim emplumado vibra o ar em sustentação
Hóspede do vácuo levita no céu a indagação

A diligencia do vôo fecunda insólita nuvem
Anuncia um pretérito de vocação para rastro

Assim em velas orienta-se a nau para o espaço
O pássaro desvela a vereda que vigia o insólito

sexta-feira, 29 de julho de 2011

659 - ode ao tempo e a persistência da memória

p/ o quadro de Salvador Dali




aguardo as indocilidades do mar
a atroz impossibilidade do vento
sal e ar a se imiscuírem na pele
formando essa camada disforme
que peja a marca de uma sombra

pulsam os relógios ensimesmados
tenaz o rio açoda a vértebra do tempo
cai-me a visão sobre matéria e ossos
eu que num breve estertor serei cinza
enquanto fluem as imagens em aflição

quinta-feira, 28 de julho de 2011

658 - sonata em dó maior para rude amanhecimento

não sei de que estrela habita teus sentidos
essa iluminação imorredoura dos cílios
essa troça de imolar silencio com lábios

enquanto cultivo atento sol e maresia
enquanto germino o desfecho dos astros

não sei de que estrela habita teus sentidos
mas sei que dia haverá para pacto de mãos
para as promessas vicejarem em desenlace


* ganhei um poema mui belo aqui da Daniela

quarta-feira, 27 de julho de 2011

657 - ária desolada para sanfonas e rabecas

quando a folha caiu distraindo a eternidade
eu tecia o arrebol para o teu acalanto
tu não estavas mais a névoa que te sonho
eras uma ausência enternecida no céu

quando a folha caiu distraindo a eternidade
eu tecia mais um emaranhado de cismas
tu não estavas com o manto que te cingia
eras a face pungente de uma pétala ao vento

terça-feira, 26 de julho de 2011

656 - outra cantata arisca para a senhora do magazine

estou sozinho diante dos exércitos do teu soslaio
por isso exercito a minha yoga de verbo e versos
quem sabe um dia tu pronuncies um poema meu
com esses lábios lilases que sopram riso e riscos

segunda-feira, 25 de julho de 2011

655 - réquiem para a última cor harmonizada da primavera

Preciso afugentar a ponte que me liga a tua ausência
Criar embaraços para o amaro regurgitar do pretérito
Derramar as prateleiras onde teimam em se esconder
Aqueles livros fantasmas que anunciam os encontros

Com apreço contentarei neste existir desassossegado
Serei o próprio cão que faz teatro para as carruagens
Mas eu mesmo nunca mais embarcarei em propósitos
Estarei atento para quando o silencio pedir passagem

Preciso afugentar a ponte que me liga a tua ausência
Mesmo que as minhas chagas lancinem em convulsão
Mesmo que as lápides das paixões anunciem no vazio
Preciso afugentar a ponte que me liga a tua ausência

domingo, 24 de julho de 2011

654 - cantata arisca para instruir novo prelúdio

a partir deste poema de Eurico

verter: estágio líquido para o desejo
o mundo cíclico, a palavra encíclica

noite: ser emergente de pretéritos
o osso lasso, o erro crasso

instinto: afago do querer se chegar
a calma rente, a alma insurgente

diáfano: barco de travessia do olhar
o porto desabitado, a porta aventurada

ádito: deslizar por veredas sem sulcos
a ruga destronada, a rusga enraizada

retórica: atalho para se perder em fala
os olho rasos, os passos desordenados

sábado, 23 de julho de 2011

653 - rapsódia distraída para a urgência da palavra

os teus siderais anelos
a minha sina inoxidável

os teus pretéritos partidos
a minha ida inconsequente

os teus olhares em órbitas
a minha retina fatigada

os teus subterrâneos caminhos
a minha estrada apascentada

os teus cálidos sobressaltos
a minha mão de eterno desterro

sexta-feira, 22 de julho de 2011

652 - ode desafeto sobre os conceitos de gato, cavalo e casa

p/ Marcantonio

se me falham sentidos sopro o cerne da palavra
desencontro-me em sede e deserto abismado
comparo o gato a um desengano como Voltaire
em desvario de louco no quarto escuro da casa

se me falham os sentidos sopro o cerne da palavra
então galopo em corcel avermelhado pela tarde
comparo o cavalo a um desengano como troiano
pois no ventre do ser inunda a chaga da destruição

se me falham os sentidos sopro o cerne da palavra
divago sem redenção, sem o fundamento da ilusão
em nada comparo o desterro que impõe o vocábulo
matéria fria, estrutura amorfa do corpo sem sintaxe

quinta-feira, 21 de julho de 2011

651 - canção desavisada para voo de tsuru e grou


foi de lá, daquele silencio
entremeado de soluços
que fui buscar sementes
para germinar este campo

foi de lá, daquele silencio
que por ora amansa o peito
que também fui ao crepúsculo
amealhar esta vermelhidão

foi de lá, daquele silencio
cortado de lembranças rudes
que fui encontrar as palavras
um depósito de rubros repentes

* Hoje estou em entrevista com amigos no RoxoVioleta

quarta-feira, 20 de julho de 2011

650 - outra ciranda para espinheiros, cactos e gravatás

p/Dani Carrara

sabe aquela sensação de pertencimento
que reside nas gramíneas do jardim abandonado
assim estou
pairo obscuro entre as tuas palavras
que insistem em me despir

terça-feira, 19 de julho de 2011

649 - ciranda para espinheiros, cactos e gravatás

depois do teu encontro ficou-me o olho deserto
sonho com dentes em oásis de língua
procuro os baixios onde crescem sempre-vivas
o mar se abriu em pretéritos para o entardecer

segunda-feira, 18 de julho de 2011

648 - poema reflexo em solidão diante do espelho

respiro esta tarde sob a ternura da crisálida
queria estar eu pronto para o voo
mas só me resta uma asa interditada
anjo quase morto, náufrago solitário

domingo, 17 de julho de 2011

647 - cantiga de predição para encontro de córrego e arroio


há um poema que eu persigo
até ele se engendrar perfeito
como um adágio de mahler
como aqueles campos de girassóis
embalsamando a orelha de van gogh
há um poema que eu persigo
e se repete em árias e se faz dissoluto
que se doa e que foge e quer alcançar
as vielas de nuvens que abrem o céu
há um poema que eu persigo
para o instante derradeiro de remissão
afogar meu isolamento de dicionário

sábado, 16 de julho de 2011

646 - sobre o conteúdo da fala na sina da caatinga

cede-me o silencio com que enfeitas o ventre
para que o menino travesso de jaleco e couro
atravesse alado a retina imorredoura do sol
e de braço dado com o majestoso mandacaru
deixe que os espinhos cravem pele sobre pele
o colo da manhã, o saliente canto do bem-te-vi
e assim siga o incólume curso desse regato
que se destina ao capricho de gesto e de mãos
para se fazer em prece a esguelha do espanto

sexta-feira, 15 de julho de 2011

645 - sobre o conteúdo da fala em corcel enluarado

reparte-me em lança as crinas do peito
a luz do relâmpago risca o tecido da noite
enquanto dormem as criaturas de boa sina
cavalgo enluarado no improviso da palavra
numes e nomes cativos na doação do verso
pulso incondicional na metástase do tempo

quinta-feira, 14 de julho de 2011

644 - récita de improviso para andorinha no arrabalde

para onde vão os que me vivem os olhos
toda a terra é escombro em meio ao labor
é inverno quando quelônios desaparecem
recorro às vísceras para perceber as rotas
há atalhos que clamam pedindo consolo
não ouso sussurrar a ventania que habita
o centro desse escudo disforme e arredio

quarta-feira, 13 de julho de 2011

643 - poema de louvor para senhora das brisas

cala-me amorosa dos dias meus
sopra a delicadeza dos teus gestos
nesta récita de inconfundível langor

que por ora o tempo se acalma
e o cais distante se faz em porto
cala-me amorosa dos dias meus

recolhe a intempérie dos passos
que vincaram estradas mais viris
contempla esse alvorecer sutil

quando ao acaso emplumados
fitamos o horizonte de letargo

terça-feira, 12 de julho de 2011

642 - poema de açoite para pasto encantado

a minha face ornada de equívocos
e eu oro desordenado
pela presteza da palavra

separo sépala, corola, cálice
cultivo no jardim inconsequências
e eu ouro depreciado

há sinais de poeira na dobra da fala
cala a gramática em redoma delicada
já posso ser projétil de toscas rimas

* A Cris me fez uma delicadeza (não tenho adjetivos para a emoção) sem par no Trem da Lira

segunda-feira, 11 de julho de 2011

641 - outro pranto da fala em cordel incandescente

ah quanto eu quereria inflamar essa chama
e sobre o estrado da derradeira alvorada
derramar as quimeras que o vento intenta
mas estou ermo de ancestrais alfarrábios
e padeço do incessante eflúvio das horas

domingo, 10 de julho de 2011

640 - ária de assovio para divinais pomas

admiro a sinuosidade que se ergue
e se oferta em taça de excelso vinho
ali repouso oferendas do meu encanto
ali deposito o fastio da minha língua
a escorrer mel da fonte que não cessa
do encontro que não cansa de florar

sábado, 9 de julho de 2011

639 - sobre o pranto da fala em cordel incandescente

amor hoje me assaltaram tuas lembranças
aquela sesmaria do teu corpo me persegue
perambulo bemol, fantasma, dríade e ninfa
aquele fogo que me deste aceso nos anéis
vem das ruas em recitais nas encruzilhadas
afogo-me em etéreo arroio que ainda vaza
faze-me voz para teu verbo, arreio para pés
esculpe em minha fronte tua atroz semente

sexta-feira, 8 de julho de 2011

638 - sobre invernos, travessias e umbrais

p/ Lelena em seu dia

o colo da manhã umedece os passos
sobre o lume da estrada distraída
meus olhos pendem para o infinito
enquanto a mulher de riso asteróide
descortina faces e frases no varal

quinta-feira, 7 de julho de 2011

637 - sobre o conteúdo da fala no dorso da manhã

as águas vivas inauguram o solo de maresia
eu devaneio margaridas e cavalos marinhos
sob a capa de uma estrela respinga meu suor
quem em vagas divagam são os pintassilgos
teço loas para o incandescente raio da manhã
atônito o lagarto desdenha dos meus passos

quarta-feira, 6 de julho de 2011

636 - poeminha torto para final de travessia

queria recordar-me já antigo
na fresta de uma nuvem apascentada
com meus olhinhos de girassol
e a algibeira farta de silêncios

terça-feira, 5 de julho de 2011

635 - solilóquio rústico para outra dança do vento

soletro o teu hálito em minha língua
quando tu sorris amorosa em vulva
e todos os anseios suspiram a pelos
para trilhar-se caminho de um cheiro

segunda-feira, 4 de julho de 2011

634 - pouca polca para olhos esguios

eu te fitava lábios, seios e coxas
inteiro no bem-me-quer de vadio
faltava dança na frase que urdia
mas fez choro em rude sinfonia

domingo, 3 de julho de 2011

633 - sobre o conteúdo da fala sob o céu do palato

quando digo pássaro anuncio um ímpeto
desperto o sentido primevo da anunciação
faço o vício de asas ocupar-se do encanto

quando digo pássaro inauguro a intempérie
escuto o ouriço ruflar-se em vagas de mar
destino em vendaval o emaranhado da voz

quando digo pássaro silencio outros gritos
deixo perplexo o assovio que sibila no monte
enfim defenestro a contenda do impossível

sábado, 2 de julho de 2011

632 - solilóquio rústico para mudança dos ventos

A noite intenta o rastro de um cheiro
O orgasmo da lua faz a sombra palpitar
A memória produz insone algaravia
- melodia ancestral –
Quando o alfabeto era o uivo da alma


* Marcantonio dedicou-me um poema aqui

sexta-feira, 1 de julho de 2011

631 - Sobre a urgência e o repentino dos vossos passos (a quarta metade)

Eu vos peço humildade em santa peregrinação
Habitam-me as vestes de encíclicas parábolas
Sou lobo, sou servo, sou cordeiro, sou Prometeu
Queimo no fogo que inopinadamente dispersei