sábado, 31 de julho de 2010

292 - poema sem ponto final

tento fazer um poema
que caiba na palavra
a vida inteira

a lavra derradeira
e nada mais

sexta-feira, 30 de julho de 2010

291 - poema do não ser, vicejando


assombrosamente lírico
como o céu em acontecimento
como o vento cortando o raso na caatinga

desenhando sinais no guizo da cascavel
alumiando de espantos o canto da arribação

quinta-feira, 29 de julho de 2010

290 - os versos que se hão de cumprir


Faço coito nas palavras para
sentir-lhes as entranhas
do verbo

quarta-feira, 28 de julho de 2010

289 - A última sessão depois das dez

Depois que apanhei a navalha
vaguei como um cão contra a luz
e indagava como me salvar dali

Bueno, me respondeu o Luis
Que tal tentar o interruptor

terça-feira, 27 de julho de 2010

288 - estampa para moça em moldura


a plácida luz fugidia
trazia líquidos efeitos
enquanto eu rosnava assustado
para tuas luas ensandecidas

segunda-feira, 26 de julho de 2010

287 - Invenção de poesia


Eu faria do teu gesto um invento
faria do invento uma saudade
faria da saudade o caminho
faria do caminho uma verdade
faria da verdade um intento
faria versos e espalharia o vento

domingo, 25 de julho de 2010

286 - A noite que desceu do silêncio

Desse-me um destino eu partiria
- Como cabe a um bom pastor -
A recolher as intempéries do vazio
A perscrutar as coleiras do silêncio

Apenas ater-me ao apego dos passos
Ao desassossego do olho em maresia

sábado, 24 de julho de 2010

285 - Canto de súbita alvorada


os dedos borbulham ante o espanto
que minhas retinas vão apinhando
e eu vou apanhando sereno do verbo

sexta-feira, 23 de julho de 2010

284 - Pequeno poema de iniciação

Escapam-me os ofícios de querer-te
Eu que já intentei tantos caminhos
E somente vagas colhi nesses passos

Cabe-me articular vento e singeleza
Por onde fitas cores de insanos olhos
A invocar sinais e lírios adormecidos

quinta-feira, 22 de julho de 2010

283 - Poema de incandescente lilás

Nesse dia de nuvens
Passeiam-me os pastos
De desejo e vontade no teu corpo

Nesse dia de nuvens
Desabitado como as tuas sandálias
Colho trevos da sorte e projeto:

Atirar-me em pleno desassossego
Ao mais selvagem fetiche de orgia
Morrer na tua saliva em ebulição

quarta-feira, 21 de julho de 2010

282 - eu agonizo lentamente nesse caos

Enquanto o mar se debate
Na ordem efêmera do cais

terça-feira, 20 de julho de 2010

281 - pequena ária em semitom


depois que trouxeste o vaso de mudas
a casa respira melhor o nosso silêncio

segunda-feira, 19 de julho de 2010

280 - Serenata para lírios e violetas

a voz de chumbo a
esculpir-se em vazios
entre cismas
no quarto crescente
de lua e melancolia

domingo, 18 de julho de 2010

279 - Série sem título V

Não me venham falar em vicissitudes
Que ando arrevesado em dissabores
Que ando com saudade da insolência
O desconhecimento me fazia impassível

sábado, 17 de julho de 2010

278 - Elogio a uma carta de W.A


Tivesse eu a ausência mais sincera para o teu amor
E fizesse urgência nas palavras a iluminar este rosto
Dormiria a noite entre os retratos breves da aragem
A sussurrar impossíveis nomes que evoco em cólera

sexta-feira, 16 de julho de 2010

blogagem coletiva - Tempos de criança

ao aniversário do poeta Abraão Vitoriano

prosa para moça e vestido

Já era hora de ir-me,
Tu dizias em silêncio

Eu ria do mel em ti
Dos tantos sabores
Para não ficar impune

E esquecer a saliva nossa
Em todos os cantos do dia

277 - Balada de outros e tantos mares

                   ao poeta Jorge Pimenta

Creio que o sagrado o tempo dizimou
Com seus dentes metálicos.
Sequer os vestígios desta moagem
Nos ficou emparedado nos engenhos,
Nas tramas sinuosas e nos obituários
Que convergem em solene cavalgada.

Creio que nos restam os profanos sorrisos
Aqueles de outrora, que não se quedaram
Na avalanche das cidades envidraçadas
na torrente das fumaças desencontradas
e perscrutam ainda sinais nesta imensidão

Creio que as palavras não dão vazão a este rio
mas a nós cabe navegar esta nau e este desvario

quinta-feira, 15 de julho de 2010

276 - Réquiem profano ao entardecer

Protejam-se de todos os silêncios.
Mantenham a distancia necessária
ao contato das palavras e versos.

Afastem sobretudo as crianças
- para que não fiquem encantadas
de melancolia -
Porque neste canto a tarde sangra
e eu espalho com crueldade e magia
o sabor, o êxtase, o vício, o lúdico.

Ofereço a ourivesaria dos sentidos
para aqueles que estão desprovidos
ou se masturbam em ambições cotidianas.

Destino uma cota de sutil metafísica
a materialidade da ordem vigente.
Emplumo de flores dedos e pássaros
e acaricio teus desejos mais abjetos.

Desfaleço entre os azuis que entardecem
para vingar a correnteza eterna dos rios
e a sufocante repetição de tantos dias.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

275 - Poeminha pensando em Saramago


Ao meu rosto não tarda
Lograda a lavoura que esculpe
Encontrar os sinos da melancolia
Que sucede as fronteiras que se dobram
Ao rigoroso caminho da espada e da balança

terça-feira, 13 de julho de 2010

274 - Quando leio Manuel Bandeira


O beco se descortina em imenso mar
Tateio querubins em breves passeios
Vejo Irene pedindo licença ao branco
João Gostoso dançando com um trago
E como moro no Nordeste assento-me,
Livro e fico, ao balouçar de brisa e rede

segunda-feira, 12 de julho de 2010

273 - improviso para o dia raiando

Curvo-me ao instante de pássaro
Esqueço-me das asas e das fugas
Rendo-me a armadilha do canto

domingo, 11 de julho de 2010

272 - como um parasita suicida


Vivo a aspereza do verso em abismos
No vão intumescido das tuas coxas

sábado, 10 de julho de 2010

271 - Fuga para cravo e viola

Eu me fiz vento prá te colher
em auroras precipitadas
em reflexos da manhã de sol

quando febre e tontura
de uma rara felicidade
ardem versos no meu peito

sexta-feira, 9 de julho de 2010

270 - De profundis


Quanto mais mundo, mais raso me tenho
Quanto mais raso, mais me inundo

quinta-feira, 8 de julho de 2010

269 - Berceuse para campanário e andorinhas

Estimo que a tarde se desfaça em abóbora sinfonia
Enlouquecendo os girassóis que guardo em relíquia
Purificando o sal que verte em águas na minha face

quarta-feira, 7 de julho de 2010

268 - Fuga para clarinete e alvoroço


Acho que o sabor fez travo neste resto de sofreguidão
As intempéries do desejo se vingaram em calmaria
Procuro espelhos para morrer em lenta fotografia
Tu sabes bem que há tempos a carne lateja
e dói

terça-feira, 6 de julho de 2010

267 - poema lúdico encontrado na rua

p/R. Piva

Põem-se guizos no verbo do dia
Assoar consoantes, fonemas nasais
Eu caçôo nas veredas, vielas e becos
Vamos tu e eu a jantar os dejetos
Num banquete de cama e carnaval

segunda-feira, 5 de julho de 2010

266 - poema de súbito clamor

Não, não quero salvação
Hoje vim florir sorrisos em tua mão
Depositar o cálice e o vinho
Fazer dádiva de todo meu corpo
De ti espero em mortes lentas
Em augúrio e agonias infindáveis
Hoje vim florir sorrisos em tua mão

domingo, 4 de julho de 2010

265 - das coisas que se eternizam

Tenho distancias não percorridas
No vão das águas que me pejam
Mares de incertezas, clamores
Este contínuo vendaval que vem
Como barco do infinito me beijar
Nesta rota de caos e úmida névoa

sábado, 3 de julho de 2010

264 - série sem título IV

Rumino este peso de horas
No lento soslaio deste abandono
Na vertigem das portas que se fecham
Na incrédula madrugada sem alento
Na dor eterna desse ramo de oliveiras

sexta-feira, 2 de julho de 2010

263 - prosa de menino em dia de praia

                                   p/ Nina

um dia eu corri tanto prá fugir de um amor
que as léguas se ternizaram dentro de mim

quinta-feira, 1 de julho de 2010

262 - Cantata em dó maior

A tua voz vem do silêncio
que contemplo atônito
em vastas madrugadas

feito o arrepio de um pelo
feito apelo que vem do vento