quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

80 - Poema de tentação

Qualquer hora encanto a tua palavra
Faço dela arcabouço para a morada
Mesmo que seja de provisória estada

Qualquer hora engano a tua palavra
Faço dela arado e lavro outras ceias
Mesmo que seja seda da própria teia

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

79 - (re)lance de dados

Foi de vento o soluço
Que soçobrou a boca
Foi de vazante a nau
Que o mal se insurgiu

Foi de canção o verso
Que a palavra contraiu
Foi de canto a ternura
Que fez a nua tessitura

Foi de relance um dado
Que se decidiu a labuta
Foi súbito o sobressalto
Que a ausência cumpriu

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

78 - Poema da língua

Carrego comigo as reticências
As aparências, as reentrâncias
Tenho orgulho de toda palavra
Que me chega e que me clama
A insuspeita confissão do amor

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

77 - Ode para meus olhos

Às vezes uma chuva fina molha minha alma
Embala de lágrimas este peito tonto e febril
Que guarda o adeus e o visgo do teu espanto

domingo, 27 de dezembro de 2009

76 - Canção de tristes tópicos

Não dá para seguir-te ao tempo
Untar-me de pueril reminiscência

Deslocar a sintaxe de todo corpo
Ao propósito vil de um desencanto

Ser linguagem da carne e na pele
Equilibrando a intempérie do gesto

Não dá para seguir-te ao tempo
Ser tolo desvario da insensatez

Desfazer-me em tristes alegorias
E contemplar um pálido alvorecer

sábado, 26 de dezembro de 2009

75 - Ode para nós

Todo o passado se abismou
Na vertigem desses passos
Fizeste aurora e crepúsculo
No movimento de um corpo

Insuflaste desejos e pecados
Que houveram de se cumprir
E puseste os olhos em vigília
No desconcerto do nosso dia

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

74 - Dos quereres inolvidáveis

soluçava um querer completo
jamais permitido a um amante
feito a réstia d’alguma estrela

do lúdico fervor a se aprisionar
intensamente ansiava a vinda
e intentava o rosto para mirar

entre as tranças da sua elegia
despia as horas para enxergar
então o deus de fogo e desejo

deu-lhe invento de um espelho
e tão mágica proeza que enfim
contemplou o arrepio que viria

de súbito ficou intensa a certeza
que da aurora em si era rogada
nesse pasmo de espera infinda

73 - Interlúdio e porvir III

Era tudo uma vez
E tu fizeste o bordado
Tosco dos nossos nós

Adornei com metáforas
E uma possível remissão

Iluminaste ambigüidades
Com a fogueira dos dias
E pétalas na ambrosia

Cumpri os desígnios e
A imposição das palavras
Até os olhos caírem rotos

De resto ficaram senhas
E era tudo outra vez

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

72 - Ode nada gentil

É noite quando deparas com este vazio
E sucumbem teus gestos em alvorada
Soluçam almas tristes e gentis na alcova
E o pálido véu cobre a urbe em desvario

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

71 - madrigal anunciado

não espere
que eu volto nunca mais
nem mesmo para não dizer
ficar amuado em silêncio
e recontar
os vitrais da amurada
como a vez que aconteceu

não, não espere
que eu volto nunca mais
nem mesmo livros
nem mesmo dúvidas
não, não espere

corre o risco de ficar à toa
esse rosto que persigo
e que nunca ofereceste
corre o risco de se perder
o ser que colhe a reticência
que emprega dois pontos

não espere
passos voam em direção
os equívocos estão postos
as quimeras desfeitas
o que não foi, foi feito
não espere
que eu volto nunca mais

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

70 - pequeno poema dos dons

aos que não conseguem
meditar:
as saudades e os jasmins

aos que não conseguem
imantar:
os silêncios e os gerânios

aos que não conseguem
flertar:
os mistérios e as violetas

aos que não conseguem
perseverar:
as palavras e as angélicas

aos que não conseguem
acorrentar:
o infinito e as orquídeas

domingo, 20 de dezembro de 2009

69 - Ode simples

Atravesso os umbrais
Para recolher a seiva
Deste silêncio de nau

Afagar com as palavras
A solidão que me queima
E se esparrama oblíqua

sábado, 19 de dezembro de 2009

68 - Interlúdio e porvir II

Em teu rosto venho sucumbir
O sonho do infante de pedra

Recolher versos que dormem
Inauditos na aurora do tempo

Revolver a nostalgia do vento
Sorver a colheita do teu mirar

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

67 - melancias cortadas

Para uso e pasto das cores
A natureza é morta e jazz
Vela o que quero e à vera
Pode ser méxico, a riviera

Frito os calos de toda a dor
Falo solitário em dois amores
Faço parir o riso embevecido
Na penumbra curro a saudade

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

66 - Poema de puro tédio

Há de se gerar raízes e pétalas
Faunos consumindo gerânios
Inverter as simetrias:

Há de se opor aos cérebros
Mendigar cheiros e fragrâncias
Interceder os gestos:

Há de se mastigar interjeições
Masturbar consoantes e plurais
Inventariar mistérios:

Há de se perverter a sobriedade
Dar destino ao arredio, ao que sobra
Interditar as verdades:

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

65 - Interlúdio e porvir

p/ os versos da Nina Rizzi

Nunca mais houvera lábios
Onde a terna carne espargir
Desde o leque em flor se abrir

Nunca mais colher os lábios
Desde sismos, cismas e pelos
Desde tenros apelos e o não

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

64 - Ode para todos os cansaços

O tempo invade a memória do ontem
E põe girassóis nas minhas metáforas
Explico que venho ao vento de maresia
E insisto em arrebanhar as mancúspias

Os desertores caminhos sopram versos
Regurgito palavras no olvido e encantado
Destituo os enigmas que formam sombras
Aguardo o impacto do sorriso que não vem

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

63 - Canção de bem-me-quer III

Desisti de todos os amores
Em que me fizeste acreditar

Agora brindo as falácias
Ao abismo das palavras

Ao mistério fútil deste sorriso
Que arrebataste da Monalisa

domingo, 13 de dezembro de 2009

62 - Outro poema de correnteza

Talvez venham ilhas neste oceano sem fim
Olhos que aportem a maresia do mirar-te
Vendaval que sopre este soluço de paixão

Vaguem vagas para longe neste escarcéu
De imolar espíritos aos deuses do universo
No indolente balouçar das águas e mágoas

sábado, 12 de dezembro de 2009

61 - Canção de bem-me-quer II

p/Gerana Damulakis que instigou

Amanheceste em mim
como um lírio atormentado
cheia de renúncia ao querer

eu fiquei tecendo quimeras
implorando a luz do arrebol

até que viesses sem pressa
despir o silêncio desse agora

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

60 - Canção de bem-me-quer

Não te pedirei em silêncio
A alegoria desse encanto
Preciso fazer ouvir alarido
Despertar sons no instante

Não te pedirei em auroras
Para vires esculpir os dias
Vivo a brisa destes passos
O reticente pulsar dos olhos

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

59 - Poema de correnteza

Dos meus rios que vingam instantes
Sobram súbitas pedras em avalanche
Emaranham-se peixes à minha rede
Dão-me salto por sobre a correnteza

Cortam em lençóis que divagam ilhas
Súbitos redemoinhos e uns alvoroços
Paragens de encostas, nuas margens
Turbilhão que soçobra rude naufragar

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

58 - AUTO-CONTRASTE II

O rio consome a água
Como a veia consome o sangue
Como o sertão consome a enxada
Como a vida consome o dia

A resma consome a folha
Como o enxame consome a abelha
Como a tribo consome o índio
Como o cardume consome o peixe

O vento consome o sopro
Como a ilha consome o mar
Como o fogo consome a água
Como o amor consome a dor

A palavra consome o verso
Como a rima consome a estrofe
Como a língua consome o verbo
Como o espírito consome o corpo

Pouco a pouco
Pouco a pouco

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

57 - Poema de encantamento

A dama de todas as telas e teias
insinuava-se em aulas de anatomia
em que era a primeira a se despir

enquanto me fitavam outros vestidos
eu não percebia que havia a mudez
daquele sexo embevecido de claridade

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

56 - Poema de uns nadas rudes

Inda tonto de tanto encanto
Vaguei vário de indolência

Da penitência e resguardo
Do teu soluço embriagado

Na antevéspera do abraço
A derramar clarão e alarido

domingo, 6 de dezembro de 2009

55 - Elegia de desamor

No desassossego da manhã
Recolho os cristais da pele
Recolho a virgindade do ar
Respiro nele teus vestígios

Sou a solidão no teu espírito
Parte desabitada desses nós
O rio que não flui da tua foz
O silêncio plácido da tua voz

Dos quereres que não fostes
Me ficaste o imã de um visgo
Fio na carne que não sangra
O gozo de mácula da paixão

sábado, 5 de dezembro de 2009

54 - Poema de além mar

Calha-me vontade de ir ao mar
Sorver reminiscência vindoura
Rever-me no cais, nestas ondas
Aportar vazio em tristes tragos

Calha-me a vontade de pessoas
Infinitas em múltiplas finitudes
De faces ligeiramente doiradas
Inocentes em suas teatralidades

Calha-me a vontade de uma sorte
Especial e bem vinda no sortilégio
Como quando a vi se desnudando
E não deste conta do desassossego

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

53 - poema dos significados

sempre me encantou a palavra caravana
desde que a vi incrustada feito sonho
num poema antigo que nunca me esqueci

sempre me pareceu de sentido peregrino
repleta de areia no deserto domesticado
forjada no lombo e na ânsia de um povo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

52 - canção de queixumes

de fato antevejo a dor
que porventura possa vir
doí-me o fado de existir

e de repetir versos assim
ser outra pessoa do Pessoa
encontrar eco senão em mim

de fato soa triste a querela
deste estar e não estar indo
deste passar, passar, infindo

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

51 - elegia tosca

venho de uma cidade sem vestes
despida por carmins e ciprestes

tão gentil com quem marca a pele
tão rude a quem lhe oferece grão

recuso abandoná-la em sua sina
de teimosia, perfídia e incesto

perdida em seus ofícios de pólis
no ventre vil do frio ostracismo

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

50 - outro poema sem título

evito o escárnio dos lábios
mas saboreio doce de língua

assim, quando vires o joio
separe os trigos da intriga

não penses que sempre passo
às vezes fico suficientemente

como a luz disforme pairando
languidamente pelas esquinas

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

49 - Poema tipo on the road

Não quero ser poeira na tua estrada
Nem ficção a ser editada no coração
Quero tambores de negros sabores
Untar-me em peles de vários odores

Atar-me a mais caudalosa corrente
Ser o veneno de uma sábia serpente
Forjar o urso do meu próprio abraço
Calcificar a dor na vertigem do ocaso

- viver o inferno do inverso que me tornei

domingo, 29 de novembro de 2009

48 - Madrigal de infantes

Era a intriga da espera
Que afligia os sentidos
Vazavam tolos medos
Embebidos em segredo

Era a intriga da espera
Que desprendia o desejo
Feito o calor da maresia
Farto parto: coito e poesia

sábado, 28 de novembro de 2009

47 - Canto de Krishna

Do raso celestial se fez o canto
Uníssono em estrelas abismadas

Eu assisto à criação em claridade
em flor de espada transcendental
Até vir nascer o rouxinol em mim

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

46 - Ode singular (outra variação)

Incrédulo eu bebo a vertigem do teu sexo
Que paralisa o veneno do meu tédio diário

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

45 - poema de mea culpa

teimo em reler proust
entre madeleines,
chás e ambrosias

temo reler proust
- paraíso perdido
apocalipse do agora

e não consigo tirar
o ranço nordestino
no malfadado francês

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

44 - poema de repetição

sou ainda cativo de teu fino pasto
como se fosse aleivosia do destino

como se pudesse pastorear silêncios
eternizando girassóis no meu desejo

terça-feira, 24 de novembro de 2009

43 - ode singular (variação)

ando distante da tua saudade
escondendo-me entre espelhos
pois quero ter variadas faces
para iluminar cada orgasmo teu

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

42 - ode singular

Sou o eu de todo um dia teu
Ilustre vício da tua iluminação

domingo, 22 de novembro de 2009

41 - Poema de outra linhagem

O essencial do verbo é a palavra
- bebe em si seu único mistério -
Morre só se não for pronunciada
Mesmo por esta caligrafia do nada

sábado, 21 de novembro de 2009

40 - Pingo nos ismos

Quero acabar de vez com eufemismos
Nada de condensou-se o bravio do rosto
Recuso-me ao poema sem farta ousadia
Antes prefiro a saia justa de uma revoada

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

39 - poema para Borges e o infinito

flui o caudoloso rio
de Borges e Heráclito
flui metáfora do tempo

flui água que me banha
deixa-me apenas o punhal
dessas horas pontiagudas

em que sou o espelho roto
conduzindo no dorso a agonia

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

38 - Este amor querendo (ser) o sol

Por seres a maior estrela
Dessa galáxia via láctea
Quero o deleite do brilho
Mais intenso e cristalino
- efeméride de luz assolar
o plúmbeo peito da dor -

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

37 - poema de contemplação

o infinito não caberia neste minuto
- teu sorriso sorvia a seiva do dia -

terça-feira, 17 de novembro de 2009

36 - acontecimento

quero pertencer a gleba dos desavisados
dos que se exaurem no tempo sem palavra
dos completamente desvalidos de memória
assim teria tempo de mastigar teu hálito
e ser feliz como o sopro dessa aquarela

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

35 - mosaico repentino

Guardei as intempéries do teu corpo
Neste resto de fôlego que me sopras

domingo, 15 de novembro de 2009

34 - um canto, um blues, um soul

Deixa-me envergar esta face desgastada
E remover em segredo gestos e afagos

Cobrir a imperiosa tempestade dos relógios
E afligir o silêncio que se conforma em tédio

sábado, 14 de novembro de 2009

33 - madrigal de amantes

inspirado em poema da Nina Rizzi

quando finda o tempo de nós dois
dez mil sóis se ninam em orgasmo
fecundam perguntas sem respostas
fica esse visgo na pele do teu pasto

quando finda o tempo de nós dois
formam laços agridoces na solidão
o céu desaba jasmins domesticados
e tudo plasma o espanto do agora

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

32 - madrigal gitano

Minha senhora de longas tranças
Que sortilégios trazem tua canga
Quantos enfeites, quantos açoites
a pedir abrigo no ventre da noite

Minha senhora de longas tranças
quanto silêncio entoas o teu canto
quanto mistério cruzas nos braços
que fazem alvorecer os teus lábios

Minha senhora de longas tranças
Que infindável lua teces prisioneira
Alimentando de orgias as paragens
Do reticente mar que vazas no peito

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

31 - poema de favorecimento

enlouqueço a cada acorde do teu olhar
seja aceito, seja açoite, seja noite,
seja assim o que for ou o que não há

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

30 - a uma dádiva do olhar

quero consumir ainda a aurora
vê-la escorrer em lábios
vê-la translúcida em raios

enquanto o mar suga o instante
impreciso do encontro na areia

terça-feira, 10 de novembro de 2009

29 - improviso em si, em fuga

a angústia desses passos
vaga insone na madrugada
feito a solidão de um verso

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

28 - poema de quase inspiração

Deixai-me com meus vocábulos moucos
nesta clareira de gestos e máculas
pois vejo a fécula febril a fecundar
na sofreguidão, teus vaticínios roucos

domingo, 8 de novembro de 2009

27 - poema para sempre-vivas no primeiro raio da manhã

dentre tantos entretantos
foram horas se passando
eu tonto em meus devaneios
e a impassível luz em teu seio

sábado, 7 de novembro de 2009

26 - em outrora, quando havia

na disparada da ladeira
cresceu o vento nas pernas
subiu um redemoinho
e já se foi eu menino
saboreando mangas e manjar

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

25 - poema que li em qualquer lugar

perdeu-se o bonde de ir embora
faíscas do tempo criam raizes
a pele aplaca o metal da dissídia
e somos para sempre felizes
como nesta foto da escrivaninha

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

24 - uma historinha

de quando em vez
há solidão demais
à minha volta

de quando em vez
permito o tumulto
deste silêncio tosco

de quando em vez
dou espaço ao espanto
como agora

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

23 - canção de enganar o vento II

eu bem te disse que havia desvios
e nem todo caminho leva ou conduz
que as flores na ribanceira pendem
se ruflam e se riem daquele abismo

eu bem te disse pequenas verdades
tolas todas em formato de petiscos
embrulhadas em papel fino e barato
feito sortilégios de alguma cigana

eu bem te disse e fiz disso oferenda
como esse corpo vazio que se esquece
esse destino sem rotas, sem bússola
o tropego desafio de querer resistir

eu te disse quase tudo que já sabias
e lancei ancora neste terno desterro
valseando em velas e quilhas e portos
sendo relâmpago inútil do que é pouco

terça-feira, 3 de novembro de 2009

22 - canção de enganar o vento

o teu corpo acena reentrancias
que empalidecem a alma ingenua
onde brotam designios e olores
que te deixam flor se tu fores

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

21 - Manual de sobrevivência para insetos e afins

A terra revolvida
O areal da memória
Os restos e a escória

domingo, 1 de novembro de 2009

20 - Poema das perdidas ilusões

naquele centro
havia o cetro
e que toda a sua
realeza emanava

eu ficava
feito o vento
que sobre o
encantamento
pairava

sábado, 31 de outubro de 2009

19 - Poema sem o teu adeus

retornar ao ventre é ainda vício
e
rememorar as vinhas e vindas
é sacrifício que se impõe a alma

imolar o vazio nesta fenda do dia
instaurar a desordem nas agruras
e
afiar a fome no gesto que não sacia

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

18 - Poema sem idade

Era ainda terno o olhar
- eterno como a rima -

que o vento soçobrava
em faíscas dominicais

dessa tarde eternidade
nos meus lábios partidos

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

17 - para ti

cada dia precipita
o punhal e o espelho
a hora da refrega
em que solitário
espero o assombro
inelutável da chegada

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

16 - ensaio de cinema

assim que tu chegaste
tudo em volta paralisou

o ar ficou rarefeito
a luz começou escassear
o nó na garganta se fechou

mas bela e resoluta
apenas concedeste-me
o soslaio do olhar

terça-feira, 27 de outubro de 2009

15 - à mercè

anseio a palavra
como uma náusea

um engasgo
a ser expelido

pois por dentro
atormenta a dor
do querer existir

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

14 - diálogo com as sombras

nesta manhã sem sol
a algaravia de passos
tece a fina rede entre
o abismo e a vertigem

desconcerta as palavras
e faz do assombro a raiz
deste poema sem imagens

domingo, 25 de outubro de 2009

13 - Para Joan

Desde que ouço tua voz
Ventos calam a tempestade
De uma silenciosa paisagem

Onde homens apaziguados
Tangem a revoada feliz
Dos pássaros alucinados

sábado, 24 de outubro de 2009

12 - Outra prosa ( o mesmo tema)

o tempo revolve as cinzas
enquanto o silêncio vaza:

já não encontro as minhas asas
perderam-se com as palavras e
todas as ausências anunciadas

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

11 - canção de noves fora

acumulei no resto deste teu olhar
prova que não deu resultado algum

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

10 - sonata vespertina

a relva incandescente
floresceu nos lábios
e
em gozosos sabores
deitou-se em orgasmos

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

9 - poema do encontro

queria escrever um poema
sobre Cortázar e Borges

um poema pervertido em
espelhos e mancúspias
um bestiário de punhais

poema sem qualquer final
com os versos em silêncio
brando, branco

terça-feira, 20 de outubro de 2009

8 - à deriva

do sobressalto à razão
não passou de um minuto
aquele instante mágico

tu já se ias sorrindo
eu ficava remoendo desejos

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

7 - deslizante assimetria

alvoreceu em líquido presságio
a intermitente face desse amor

domingo, 18 de outubro de 2009

6 - Venho deste raso caminho

Desde este raso caminho
Não ter pedras e passos
Apenas sangue e tédio

sábado, 17 de outubro de 2009

5 - Poema em contínua rédea

Entre cravos e claves
Vaguei o indefinido
espaço que me davas

Sou nada nesta estada
E perscruto o amanhã
Com inefável precisão

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

4 - poema de circunstância

o poema não nasce torto
são as palavras que se
desconfiam unidas amiúde
e não satisfeitas
querem se fundir em espanto

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

3 - manjar da manhã

o olhar já se refez
da última tempestade
mas ainda permanece
ancorado em teu seio

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

2 - a outra imagem, a do espelho

pelo presente
instrumento
particular
de decisão
indefiro o
poema e sigo
só com a vida

terça-feira, 13 de outubro de 2009

1 - A imagem

no quadro
quadro a quadro
os teus seios
sempre pintavam
em cores reais

enquanto
rabiscavas
o céu de ficção